"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

domingo, março 29, 2009

O poder único

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Joel S. Goldsmith


Compreender a natureza de Deus é compreender o princípio básico da terapia espiritual.

Faz parte da natureza de Deus curar doenças? Achas que sim?

Se Deus é onipresente e todo o amor, por que não curou as doenças ontem? Por que esperou até hoje? E por que não as cura nem hoje?

A maior parte dos homens pensa que Deus cura as doenças através do médico; mas, à luz das estatísticas, pelo menos até o século passado, Deus não foi muito feliz nesse processo de curar doenças pela medicina. Até um século atrás, morriam diariamente homens em conseqüência de moléstias que hoje em dia são curadas em vinte e quatro horas. Por que assim? Queria Deus que esses homens morressem, quando nós não o queríamos? Haverá em Deus acepção de pessoas?

Deus nunca se agradou do nosso morrer, nem se agradará jamais. Além disto, Deus nunca foi responsável pelo nosso morrer. Os homens morriam porque a ciência médica não estava assaz desenvolvida e os médicos não possuíam suficiente conhecimento para curar os doentes; e também no presente século muitos têm de morrer porque os curadores espirituais não sabem o bastante para curar os doentes.

Em face disto, surge inevitavelmente a pergunta: “Será que Deus tem que ver alguma coisa com a doença do homem? E que Deus tem que ver com a cura dele? Nesse processo de terapia deve estar em jogo mais outro fator. Qual é esse fator?”

Esse princípio aparece quando compreendemos a natureza de Deus e o característico assunto em apreço. Quando compreendemos que Deus é o amor inesgotável, a sabedoria ilimitada, a bondade infinita, compreendemos que Deus não pode ser autor do mal; a doença é creação do homem e ela só pode ser abolida por meio de um estado de consciência espiritual altamente desenvolvido.

Se fores capaz de compreender a verdade e a importância desta afirmação, então compreenderás também que tu és responsável pelo desenvolvimento dessa consciência espiritual. Permite, pois, que a natureza de Deus se manifeste através de oração e meditação. Descobre por ti mesmo que Deus nunca autoriza uma doença a matar alguém, que nunca deu ordem a uma moléstia a matar um homem. Em face da natureza de Deus, que é puro amor, deve a doença estar situada FORA da esfera da força creadora e conservadora de Deus; e isto quer dizer que não inere à doença nenhuma causa, nenhuma lei, nenhuma substância, nenhuma realidade intrínseca.

Existe um só poder, e esse poder único é Deus.

Entretanto, o conhecimento desse poder único não significa que Deus, como poder, seja mais poderoso que outro poder qualquer. Ele não é mais poderoso, ele é o único poder, fora do qual não existe nenhum outro.

A idéia de que Deus tenha poder sobre algo resulta da interpretação que nós damos à palavra “poder” ou “força”. Quando falamos da força da eletricidade, da força do calor, da força do vento, entendemos que estas coisas possuem um poder que podemos pôr ao serviço da nossa vida. Será que o poder de Deus pode ser entendido deste modo?

Não, Deus é o poder único, que nunca pode ser utilizado pelo homem no sentido de ser posto ao serviço dos seus fins peculiares. Deus é o poder único e exclusivo em todo o Universo, e ao lado dele não existe nenhum outro poder.

Exemplifiquemos: temos na música os sons dó, ré, mi, fá, sol, lá, si. Cada um desses sons significa uma vibração, que é sempre a mesma – mas isto não quer dizer que alguém não possa cantar erradamente esses sons certos.

Na aritmética temos os algarismos 1, 2, 3, 4, 5, etc., que têm um valor certo e determinado no mundo inteiro – o que, todavia, não quer dizer que tu ou eu não possamos falhar na aplicação desses valores certos (princípios).

Há um princípio básico, vital, imutável, na constituição do Universo; esse princípio não depende de nós; ele existe independentemente de nós e de qualquer creatura. Mas a aplicação prática e concreta desse princípio universal depende de nós; podemos acertar e podemos errar na sua aplicação. A harmonia entre o finito e o Infinito é saúde – a desarmonia é doença. Mas essa harmonia ou desarmonia nada tem a ver com o princípio infinito, tem que ver com a aplicação finita.

Podes tu pôr a teu serviço o poder de Deus?

Não! Tu mesmo terás que pôr o teu Eu humano em harmonia com o poder divino. A Lei, o Poder, é eterna e imutável harmonia – tu é que podes ser harmonia ou desarmonia. Tu podes pôr tua vida a serviço desse regime e desse poder infinito – mas não poderás jamais utilizar-te dele, pô-lo a serviço dos teus desejos humanos. Não podes mudar o curso de uma só estrela no céu. Não podes mudar as marés e as vazantes, porque a hora do seu vaivém está marcada por leis eternas.

Deus não é um grande poder que entre na liça para lutar contra os poderes negativos do pecado e da doença, da penúria e da limitação, no caso que tu consigas entrar em contate com aquele poder positivo. Não. Deus é um poder somente no sentido de ser o único poder creador e mantenedor do cosmos. Deus nos deu terras e mares, montes e vales, florestas e campinas, para os usarmos – mas não nos deu o poder de pormos o próprio Deus a nosso serviço. Podemos nos utilizar dos dons de Deus – mas não do Doador divino. Deus é um poder que, por todo o sempre, mantém o seu Universo com perfeição, justiça e harmonia.

Quando o homem começa a viver do referencial do poder único então se modifica todo o conteúdo da sua vida. Neste mundo, defrontamo-nos a cada passo com pessoas, coisas e circunstâncias de caráter destruidor; sempre aparece algo ou alguém que destrói na nossa paz, a nossa saúde, a nossa harmonia, as nossas boas relações. Mas os espiritualmente iluminados de todos os tempos e países descobriam que não inere a essas coisas nenhum poder real – a não ser que o homem as reconheça como poderes reais e como tais as tema e combata.

O divino Mestre, Jesus, o Cristo, não receava nenhum poder terrestre, porque sabia que só existe um único poder. Quando um dia, os seus discípulos de gloriavam do seu poder sobre as potências do mal, o Mestre os corrigiu imediatamente, dizendo: “Não vos alegreis porque os espíritos vos estão sujeitos – alegrai-vos antes porque os vossos nomes estão escritos nos céus”. Com outras palavras, eles deveriam se alegrar porque lhes fora revelado o grande mistério: que há um só poder, Deus. Por isso, não havia nenhum poder maléfico que lhes estivesse sujeito, nem mesmo em nome do Cristo; havia um só poder, e este único poder era benéfico.

E é este o mistério que continua a ser ignorado pelo mundo materialista, pela inteligência humana, e mesmo por muitos daqueles que se dizem religiosos. Só é conhecido no mundo da mística: Deus é o único poder, e ao lado dele não existe poder algum.

Existe, por conseguinte, um poder no pecado, na doença, na penúria, na limitação, na morte, no tempo, no clima, na infecção, no contágio?

Tenhamos plena clareza sobre isto: Deus é o único poder.

Se Deus é o único poder, a única realidade, a única lei do Universo, então é evidente que não existe outra lei contra a lei de Deus. E com isto, a vida humana aqui na terra muda de caráter. Aparentemente, há no mundo leis que contradizem a lei divina; a doença parece ter sua legalidade, o seu ritmo certo, a sua regularidade. E, enquanto o homem crê nessa realidade e legalidade da doença e do mal, confere poder a essas irrealidades e ilegalidades. E o homem começa a lutar contra essas supostas realidades – que Deus não realizou, mas que o homem-ego realiza – e, pela luta, afirma a realidade dessas irrealidades.

O caminho único para evitar essa funesta ilusão e esse desperdício de forças contra irrealidades realizadas pelo ego está no seguinte: sentar-se calmamente, estabelecer em si um grande silêncio, esvaziar-se do seu ego ilusório e esperar, em paz e sossego, até que venha a certeza interna: “não há outros deuses ao meu lado. ...Eu sou o Deus único... o único poder, a única realidade... Não temas, filho meu dileto... Eu estou contigo... Eu, o único poder, o poder benéfico... Eu, o Pai. ...Eu, o Amor”...

É esta a sabedoria espiritual: nada há contra que lutar; nada há o que curar, nada há o que melhorar, nada há o que suprir, nada há o que superar. Reconhece esta verdade – e tudo está bom.


“Há um só Deus, seja no Oriente, seja no Ocidente; um só Deus, seja entre gregos ou judeus, seja entre cristãos ou pagãos, seja entre escravos ou livres. Há um só Deus, e o Eu dentro de mim é esse Deus – infinito, onipresente, onipotente, onissapiente – o poder único. Não há nenhum poder fora desse poder; que sou eu, o meu divino Eu. Esse Eu, que eu sou, é imortal, é eterno. Em virtude da minha unidade com o Pai – minha unidade com o Eu, que eu sou – estão corporificados em mim toda a inteligência, toda a sabedoria, toda a vida, toda a espiritualidade, todo o poder, toda a bondade, toda a graça de Deus.”


A fim de poder curar pelo espírito, é necessário que o homem seja capaz de encarar firmemente toda a maldade e todo o mal, em qualquer forma e dizer com absoluta confiança: “Não tenho medo de ti, nem jamais lutarei contra ti! Por que temeria eu o que um mortal me possa fazer? Por que temeria o que coisas ou circunstâncias perecíveis me possam fazer, se Deus mesmo é a única lei, a única presença, o único poder, a única causa, a única substância, a única realidade? ...Ficarei quieto e tranqüilo, aguardando a redenção da parte do Senhor”...

A nossa adoração se dirige a um Deus TÃO INFINITO que ao lado dele nada existe que deva ser removido ou aniquilado. Não há nada que possa restringir ou impedir no seu reto agir aquele que compreendeu este princípio; porquanto o Deus em nosso interior é uma inteligência onisciente, um amor divino, um poder onipotente, uma influência creadora única, o princípio fundamental do Universo.

Neste princípio está sintetizado o segredo da cura pelo espírito, como também a harmonia da própria vida. Leva o homem através da vida, ritmicamente, suavemente, como que sobre um raio de luz. Tudo o que o homem tem de fazer, Ele o faz, esse Ele no centro do próprio ser, esse Infinito Invisível, que sempre age, mesmo quando o homem dorme; que vai diante dele para lhe preparar um bom lugar, e o acompanha na jornada e sintoniza em amor todos os que o acompanham e sejam receptivos para suas amorosas irradiações...

Após a constante aplicação deste princípio, acaba o homem por se convencer da verdade absoluta de que Deus é o Ser Infinito, o Ser Uno, e que todas as coisas contra as quais a humanidade luta não são poder algum. Em momentos de iluminação superior, o homem contempla o mundo e vê que todos os seus fenômenos transitórios se diluem como as trevas se dissolvem em face da luz...

Em momentos sublimes desses, pode o homem enfrentar todos os leões e tigres da terra e envolvê-los no fulgor da sua consciência espiritual, na certeza de que esta luz dissolverá todas as aparências ilusórias que lá estão – e revelará a verdadeira natureza dos seres...

quinta-feira, março 26, 2009

Satsang com Nisargadatta Maharaj - 2


Nisargadatta Maharaj


Pergunta: Nos tempos de criança, experimentei, freqüentemente, estados de felicidade completa próximos ao êxtase. Mais tarde, cessaram; mas, desde que vim para a Índia, reapareceram, particularmente desde que encontrei você. Ainda assim, apesar de serem maravilhosos, estes estados não duram. Chegam e se vão, e não se sabe quando voltarão.

Maharaj: Como pode haver algo estável em uma mente que em si mesma não é estável?


Pergunta: Como se estabiliza a mente?

Maharaj: Como poderia uma mente inconstante fazer-se estável? Certamente que não pode. A natureza da mente é vagar. Tudo o que você pode fazer é pôr o foco da consciência além da mente.


Pergunta: Como isto é feito?

Maharaj: Rechace todos os pensamentos exceto um: o pensamento “eu sou”. A mente se rebelará a princípio mas, com paciência e perseverança, cederá e permanecerá quieta. Uma vez que você esteja quieto, as coisas começarão a acontecer espontaneamente e de forma muito natural, sem nenhuma interferência de sua parte.


Pergunta: Posso evitar esta demorada batalha com minha mente?

Maharaj: Sim, você pode. Simplesmente viva sua vida como vier, mas sempre alerta, vigilante, permitindo que tudo ocorra da maneira que ocorrer, fazendo as coisas naturais de modo também natural, sofrendo, gozando, como for a vida. Esta também é uma maneira de viver.


Pergunta: Bom, então posso casar-me, ter filhos, levar um negócio...Ser feliz.

Maharaj: Claro que sim. Você pode ser feliz ou não; aceite-a calmamente.


Pergunta: Mas eu quero felicidade.

Maharaj: A verdadeira felicidade não se pode encontrar nas coisas que mudam e morrem. O prazer e a dor se alternam inexoravelmente. A felicidade procede do ser e só pode ser achada no ser. Encontre seu ser real (swarupa) e tudo chegará com ele.


Pergunta: Se meu ser real fosse paz e amor por que seria tão inquieto?

Maharaj: O seu ser real não é inquieto, mas seu reflexo na mente assim o parece, já que a própria mente é inquieta. É como o reflexo da lua na água movida pelo vento. O vento do desejo move a mente, e o “eu”, que não é senão um reflexo do Ser na mente, parece mutável. Mas estas idéias de movimento, de inquietude, de prazer e dor, estão todas na mente. O Ser está além da mente, consciente, mas desapegado.


Pergunta: Como alcançá-lo?

Maharaj: Você é o Ser, aqui e agora. Deixe a mente em paz, seja consciente e desapegado e você compreenderá que permanecer alerta, mas destacado, observando como os fatos vão e vêm, é um aspecto de sua verdadeira natureza.


Pergunta: Quais são os outros aspectos?

Maharaj: Os aspectos são infinitos em número. Compreenda um e compreenderá todos.


Pergunta: Diga-me algo que possa ajudar-me.

Maharaj: Você conhece melhor o que necessita!


Pergunta: Estou inquieto. Como posso obter paz?

Maharaj: Para que necessita paz?


Pergunta: Para ser feliz.

Maharaj: Não é feliz agora?


Pergunta: Não, não sou.

Maharaj: O que o faz infeliz?


Pergunta: Tenho o que não quero e quero o que não tenho.

Maharaj: Por que não inverter? Queira o que tem e não se preocupe com o que não tem.


Pergunta: Quero o que é agradável e não quero o que é doloroso.

Maharaj: Como sabe o que é agradável e o que não é?


Pergunta: Por experiências passadas, certamente.

Maharaj: Guiado pela memória, você tem perseguido o agradável e tentado escapar do desagradável. Tem tido êxito?


Pergunta: Não, não tenho tido. O agradável não dura. A dor sempre volta.

Maharaj: Que dor?


Pergunta: O desejo de prazer, o medo da dor, ambos são estados de sofrimento. Existe um estado de puro prazer?

Maharaj: Cada prazer, físico ou mental, necessita um instrumento. Os instrumentos físicos e mentais são materiais, portanto se fatigam e se esgotam. O prazer que proporcionam necessariamente é limitado em intensidade e duração. A dor é a tela de fundo de todos os prazeres. Você os deseja porque sofre. Por outro lado, a própria busca do prazer é a causa da dor. É um circulo vicioso.


P: Posso ver o mecanismo de minha confusão, mas não vejo a saída.

Maharaj: O próprio exame do mecanismo mostra a saída. Depois de tudo, a confusão está só na mente, a qual nunca se rebelou totalmente contra a confusão nem chegou a combatê-la. Só se rebelou contra a dor.


Pergunta: De modo que tudo o que posso fazer é permanecer confundido?

Maharaj: Esteja alerta. Investigue, observe, pergunte, aprenda tudo quanto possa sobre a confusão, como funciona, qual é seu efeito em você e nos demais. Vendo claramente a confusão, você se libertará dela.


P: Quando olho a mim mesmo, vejo que meu mais forte desejo é criar um monumento, construir algo que me sobreviva. Inclusive quando penso em um lar – esposa e filhos – é porque ele é sólido, duradouro, um testemunho de mim mesmo.

Maharaj: Correto, construa um monumento a si mesmo. Como quer fazê-lo?


Pergunta: Não importa do que seja construído, desde que seja permanente.

Maharaj: Você mesmo pode ver que nada dura. Tudo se gasta, quebra e se dissolve. O próprio alicerce sobre o qual se constrói cede um dia. O que você pode construir que sobreviva a tudo?


Pergunta: Intelectualmente, verbalmente, estou consciente de que tudo é transitório. Ainda assim, meu coração quer permanência. Quero criar algo duradouro.

Maharaj: Então tem que construir sobre algo duradouro. O que tem você que seja duradouro? Nem seu corpo nem sua mente durarão. Tem que buscar em outra parte.


Pergunta: Desejo permanência, mas não a encontro em nenhum lugar.

Maharaj: Não é você mesmo permanente?


Pergunta: Nasci e devo morrer.

Maharaj: Pode dizer em verdade que você não era antes de nascer, e poderá dizer depois da morte: agora já não existo? Você não pode dizer, pela própria experiência, que não existe. Só pode dizer: “eu sou”. Os demais tampouco podem dizer-lhe que “você não é”.


Pergunta: Não há “eu sou” no sono.

Maharaj: Antes de fazer afirmações tão incisivas, examine cuidadosamente seu estado de vigília. Cedo descobrirá que está cheio de intervalos onde a mente está em branco. Perceba que recorda pouco, mesmo estando totalmente desperto. Não pode dizer que não era consciente durante o sonho. Simplesmente não o recorda. Uma lacuna na memória não é necessariamente uma lacuna na consciência.


Pergunta: Posso chegar a recordar meu estado no sono profundo?

Maharaj: Certamente! Ao eliminar os intervalos de inadvertência durante as horas de vigília, gradualmente eliminará o grande intervalo de inadvertência mental que você chama sono. Então estará consciente de que está dormindo.


Pergunta: Mas o problema da permanência, da continuidade do ser, não será resolvido.

Maharaj: A permanência é uma mera idéia, nascida da ação do tempo. Por sua vez, o tempo depende da memória. Você chama permanência a uma memória contínua através do tempo ilimitado. Você quer eternizar a mente, o que não é possível.


Pergunta: Então, que é o eterno?

Maharaj: Aquilo que não muda com o tempo. Você não pode eternizar algo transitório, apenas o imutável é eterno.


Pergunta: Estou familiarizado com o sentido geral do que você diz. Não anseio mais conhecimento, tudo o que quero é paz.

Maharaj: Pode ter toda a paz que queira, basta que a peça.


Pergunta: É o que peço.

Maharaj: Deve pedir com um coração indiviso e viver uma vida íntegra.


Pergunta: Como?

Maharaj: Separe-se de tudo o que inquiete sua mente. Renuncie a tudo o que altere sua paz. Se quiser paz, mereça-a.


Pergunta: Com certeza, todo mundo merece a paz.

Maharaj: Só a merecem aqueles que não a perturbam.


Pergunta: De que modo eu perturbo a paz?

Maharaj: Sendo escravo de seus desejos e temores.


Pergunta: Inclusive quando são justificados?

Maharaj: As reações emocionais nascidas da ignorância ou da inadvertência nunca são justificadas. Busque uma mente clara e um coração limpo. Tudo o que necessita é permanecer tranqüilamente alerta, investigando a natureza real de si mesmo. Este é o único caminho para a paz.


Maharaj: Todos vocês estão ensopados porque está chovendo a cântaros. Em meu mundo sempre faz um tempo esplêndido. Não há noite nem dia, nem calor nem frio. Ali não me incomodam as preocupações e os pesares. Minha mente está livre de pensamentos porque não há desejos que me escravizem.

Pergunta: Existem dois mundos?

Maharaj: Seu mundo é transitório, mutável. Meu mundo é perfeito, imutável. Pode dizer-me o que quiser de seu mundo, escutarei com atenção, até com interesse e, ao mesmo tempo, não esquecerei, por um só momento, que o seu mundo não existe, que você está sonhando.


Pergunta: O que diferencia o seu mundo do meu?

Maharaj: Meu mundo não tem características pelas quais possa ser identificado. Nada pode ser dito dele. Eu sou meu mundo. Meu mundo sou eu mesmo. É completo e perfeito. Toda impressão é apagada, toda experiência rechaçada. Não necessito nada, nem sequer a mim mesmo, pois esse 'eu mesmo' não pode ser perdido.


Pergunta: Nem mesmo Deus?

Maharaj: Todas essas idéias e distinções existem em seu mundo; no meu, não há nada parecido. Meu mundo é singular e muito simples.


Pergunta: Nada acontece ali?

Maharaj: O que acontece em seu mundo, apenas tem validade ali, provocando uma resposta. Em meu mundo não acontece nada.


Pergunta: O próprio fato de que você experimenta seu próprio mundo implica em dualidade, inerente a toda experiência.

Maharaj: Verbalmente, sim. Mas suas palavras não me alcançam. Meu mundo não é verbal. Em seu mundo, o inominado não tem existência; no meu, as palavras e seus conteúdos não têm nenhuma existência. Em seu mundo nada permanece, no meu nada muda. Meu mundo é real, enquanto o seu é feito de sonhos.


Pergunta: Mas nós estamos falando.

Maharaj: A conversa está no seu mundo. No meu, há um silêncio eterno. Meu silêncio canta, meu vazio é completo, não me falta nada. Você não pode conhecer meu mundo até que esteja ali.


Pergunta: Parece que só você está em seu mundo.

Maharaj: Como você pode dizer só ou não só, quando as palavras não são apropriadas? Certamente que estou só, pois eu sou tudo.


Pergunta: Você alguma vez vem a nosso mundo?

Maharaj: Que é ir e vir para mim? Novamente são palavras. Eu sou. De onde tenho que vir, e aonde tenho que ir?


Pergunta: De que me serve o seu mundo?

Maharaj: Você deve considerar com maior atenção seu próprio mundo, examine-o criticamente e, repentinamente, um dia você se encontrará no meu.


Pergunta: Que ganho com ele?

Maharaj: Não ganha nada. Simplesmente abandona o que não é seu e encontra o que nunca perdeu – seu próprio ser.


Pergunta: Quem é o governante de seu mundo?

Maharaj: Aqui não há governante nem governado. Não há nenhuma dualidade. Você não faz outra coisa senão projetar suas próprias idéias. Suas sagradas escrituras e seus deuses não têm aqui nenhum sentido.


Pergunta: Apesar de tudo, você tem um nome e uma forma, e mostra consciência e atividade.

Maharaj: Isso parece no seu mundo. No meu, só tenho que ser. Nada mais. Vocês são ricos com suas próprias idéias de posse, de quantidade e qualidade. Eu não tenho nenhuma idéia.


Pergunta: Em meu mundo há problemas, sofrimento e desespero. Você parece estar vivendo de alguma renda desconhecida, enquanto eu tenho que trabalhar para viver.

Maharaj: Faça o que quiser. É livre para abandonar seu mundo pelo meu.


Pergunta: Como seria feita esta passagem?

Maharaj: Veja seu mundo como é, não como o imagina. A discriminação o levará ao desapego; o desapego assegurará a ação correta; a ação correta construirá a ponte interna para seu ser real. A ação é prova de sinceridade. Faça o que lhe é dito, diligentemente e com fé, e todos os obstáculos se desfarão.


Pergunta: Você é feliz?

Maharaj: No seu mundo seria desgraçado ao extremo. Levantar-se, comer, falar, voltar a dormir, que incômodo!


Pergunta: De modo que nem sequer deseja viver?

Maharaj: Viver, morrer – que palavras sem sentido são estas! Quando me vir vivo, estarei morto. Quando pensar que estou morto, estarei vivo. Quão confuso você está!


Pergunta: Quão indiferente é você! Todas as dores de nosso mundo não são nada para você.

Maharaj: Sou totalmente consciente de seus problemas.


Pergunta: Então, que você faz por eles?

Maharaj: Não necessito fazer nada. Vão e vêm.


Pergunta: Os problemas desaparecem pelo mero fato de que você lhes dá atenção?

Maharaj: Sim. A dificuldade pode ser física, emocional ou mental; mas sempre é individual. Calamidades em grande escala são a soma de inumeráveis destinos individuais e leva tempo para pôr em ordem. Mas a morte nunca é uma calamidade.


Pergunta: Inclusive quando um homem é morto?

Maharaj: A calamidade é para o assassino.


Pergunta: Ainda assim, parece que há dois mundos, o meu e o seu.

Maharaj: O meu é real; o seu, mental.


Pergunta: Imagine uma rocha com um buraco, e uma rã no buraco. A rã pode passar toda a vida em felicidade perfeita, sem distrações, sem problemas. Fora do rocha o mundo continua. Se alguém falasse à rã do mundo exterior, ela diria: "Não existe tal coisa. Meu mundo é de paz e de felicidade. Seu mundo é só uma estrutura verbal, não tem existência". O mesmo acontece com você. Quando nos diz que o nosso mundo simplesmente não existe, não há base comum para a discussão. Ou tome outro exemplo. Vou a um doutor e me queixo de dor no estômago. Ele me examina e diz: "Você está bem”. "Mas me dói", eu lhe digo. "Sua dor é mental", ele reafirma. Eu digo que "Não me ajuda saber que minha dor é mental. Você é médico, cure minha dor. Se não puder curar-me, você não será meu médico".

Maharaj: Correto.


Pergunta: Você construiu a ferrovia, mas por falta de ponte nenhum trem pode passar. Construa a ponte.

Maharaj: Não existe a necessidade de uma ponte.


Pergunta: Tem que existir um elo entre seu mundo e o meu.

Maharaj: Não há necessidade de elo entre um mundo real e um mundo imaginário, já que não pode existir nenhum.


Pergunta: Então, o que podemos fazer?

Maharaj: Investigue seu mundo, aplique sua mente a ele, examine-o criticamente, observe de perto cada uma de suas idéias; isso será suficiente.


Pergunta: O mundo é demasiado grande para ser investigado. Tudo o que sei é que sou, que o mundo existe, que o mundo me incomoda e que eu incomodo o mundo.

Maharaj: Minha experiência é que tudo é felicidade. Mas o desejo de felicidade cria dor. Desse modo, a felicidade se converte na semente da dor. Todo o universo da dor nasce do desejo. Abandone o desejo de prazer e nem sequer saberá o que é a dor.


Pergunta: Por que o prazer teria que ser a semente da dor?

Maharaj: Porque em consideração do prazer você comete muitos pecados. E os frutos do pecado são o sofrimento e a morte.


Pergunta: Você diz que o mundo não nos serve para nada; é só um problema. Eu sinto que não pode ser assim. Deus não é tão louco. O mundo me parece uma grande empresa para converter potencial em atual, a matéria em vida, o inconsciente em Consciência total. Para realizar o supremo, necessitamos a experiência dos opostos. Como, para construir um templo, necessitamos pedra e cimento, madeira e ferro, cristal e mosaicos, do mesmo modo, para converter um homem em um sábio divino, um mestre da vida e da morte, será necessário o material da experiência. Da mesma forma que uma mulher vai ao mercado, compra todo o tipo de provisões, volta, cozinha, amassa o pão e dá de comer a seu marido, assim nós mesmos nos cozinhamos gentilmente no fogo da vida e alimentamos nosso Deus.

Maharaj: Bem, se assim pensa, aja de acordo. Alimente seu Deus, sem dúvida.


Pergunta: Uma criança vai à escola e aprende muitas coisas que logo não lhe servirão. Mas, à medida que aprende, cresce. Desse modo, nós passamos através de inumeráveis experiências e as esquecemos, mas, neste ínterim, crescemos todo o tempo. E o que é um gnani senão um homem com genialidade para o real! Este meu mundo não pode ser um acidente. Deve existir um plano por trás dele, ele tem sentido. Meu Deus tem um plano.

Maharaj: Se o mundo for falso, então o plano e seu criador também serão falsos.


Pergunta: Outra vez, você nega o mundo. Não há ponte entre nós.

Maharaj: Não há necessidade de ponte. Seu erro está em crer que você nasceu. Você nunca nasceu e nunca morrerá, mas você acredita que nasceu em certa data e lugar, e que tal corpo particular é seu.


Pergunta: O mundo existe, eu sou. Estes são fatos.

Maharaj: Por que se preocupa com o mundo antes de ocupar-se de si mesmo? Você quer salvar o mundo, não é assim? Você pode salvar o mundo antes de salvar a si mesmo? E o que quer dizer salvar-se? Salvar-se de quê? Da ilusão. A salvação é ver as coisas como são. Realmente, eu não me vejo relacionado com ninguém, nem com nada. Nem sequer com um ser, não importa o que esse ser possa ser. Permaneço indefinido para sempre. Estou dentro e além, íntimo e inalcançável.


Pergunta: Como chegou a isso?

Maharaj: Crendo em meu Guru. Ele me disse: "Só tu és", e eu não duvidei dele. Eu estava meramente confuso sobre isto, até que entendi que era absolutamente certo.


Pergunta: Convicção por repetição?

Maharaj: Por auto-realização. Dei-me conta que sou absolutamente consciente e feliz e de que só por erro atribuí ser-consciência-felicidade ao corpo e ao mundo dos corpos.


Pergunta: Você não é um homem instruído. Não leu muito, e no que leu, ou ouviu, não havia contradições. Eu tenho bastante educação, li muitíssimo, e descobri que os livros e os mestres se contradizem entre si sem nenhuma esperança. Daí, tudo o que li ou ouvi foi posto em dúvida. "Pode ser que seja assim, pode ser que não", foi minha primeira reação. E como minha mente é incapaz de decidir o que é verdade e o que não é, fico atado em minhas dúvidas. Na Ioga, uma mente duvidosa é uma desvantagem tremenda.

Maharaj: Alegra-me ouvir isto; mas meu Guru também me ensinou a duvidar de tudo, e absolutamente. Ele me disse: "Nega existência a tudo menos a ti mesmo". Através do desejo, você criou o mundo com suas dores e prazeres.


Pergunta: Deve também ser doloroso?

Maharaj: Como não? Por sua própria natureza, o prazer é limitado e transitório. Da dor nasce o desejo, na dor busca a satisfação, e termina na dor da frustração e do desespero. A dor é a tela de fundo do prazer, toda busca de prazer nasceu na dor e acabará na dor.


Pergunta: Tudo o que diz me parece claro. Mas, quando chega algum problema físico ou mental, minha mente torna-se preguiçosa e obscura, e busca alívio freneticamente.

Maharaj: Que importa? A mente é a que é preguiçosa ou inquieta, não você. Veja todo tipo de coisas ocorrem nesta habitação, por exemplo. Acaso sou eu que as faço ocorrer? Simplesmente ocorrem. O mesmo acontece com você; a meada do destino desvela a si mesma e atualiza o inevitável. Não pode mudar o curso dos fatos, mas pode mudar sua atitude, e o que realmente importa é a atitude e não o mero fato. O mundo é a morada de desejos e temores. Não pode encontrar paz nele. Para encontrar paz tem que ir além do mundo. A causa raiz do mundo é o amor a si mesmo. Por isso buscamos prazer e evitamos a dor. Substitua o amor a si mesmo pelo amor do Ser e o quadro muda. Brahma, o Criador, é a soma total de todos os desejos. O mundo é o instrumento para sua realização. A alma pega qualquer prazer que deseja e o paga em lágrimas. O tempo acerta todas as contas. A lei do equilíbrio reina suprema sobre tudo.


Pergunta: Para ser um super-homem, primeiro deve-se ser um homem. A humanidade é o fruto de inumeráveis experiências. O desejo leva à experiência. Desse modo, em seu próprio tempo e nível, o desejo é correto.

Maharaj: Tudo isto é verdade em certo modo. Mas chegará um dia quando você já acumulou o suficiente e deverá começar a construir. Então ordenar e descartar (viveka-vairagya) serão absolutamente necessários. Tudo tem que ser examinado atentamente, e o não necessário, destruído sem contemplações. Acredite-me, não haverá demasiada destruição, pois, na realidade, nada tem valor. Seja apaixonadamente desapaixonado; isso é tudo.

*Post extraído do livro:


segunda-feira, março 23, 2009

Satsang com Nisargadatta Maharaj

Nisargadatta Maharaj


Pergunta: Maharaj, você está sentado aí, diante de mim e eu estou aqui a seus pés. Qual a diferença básica entre nós?

Maharaj: Não há nenhuma diferença básica.


Pergunta: Mas, ainda assim parece ter alguma diferença real. Eu vim a você, você não veio até mim.

Maharaj: É porque você imagina essas diferenças que você veio aqui e vai ali em busca de uma pessoa superior.


Pergunta: Mas você é uma pessoa superior. Você alega conhecer a realidade enquanto eu não.

Maharaj: Eu por acaso lhe disse que você não sabe nada e, portanto, que você é inferior? Deixe aqueles que criaram essas distinções, prová-las. Eu não alego conhecer algo que você não conhece. Na verdade eu sei muito menos do que você.


Pergunta: Suas palavras são sábias, seu comportamento é nobre e sua graça é poderosa.

Maharaj: Eu não sei nada sobre tudo isso e não vejo diferença nenhuma entre você e eu. A minha vida é uma sucessão de eventos exatamente como a sua. A única diferença entre nós é que eu estou desapegado e vejo o show que passa somente como um show que passa, enquanto você se apega às coisas e se move com elas de um lado para o outro.


Pergunta: O que o torna uma pessoa tão imparcial?

Maharaj: Nada em especial. Aconteceu que eu acreditei no meu Guru. Ele me disse que eu não sou nada além de mim mesmo, e eu acreditei nele. Acreditando nele, eu passei a me comportar de acordo e parei de me preocupar com tudo o que não era eu ou que não era do meu ser.


Pergunta: Por que você foi tão bem aventurado em acreditar totalmente no seu professor enquanto nossa fé é nominal e verbal?

Maharaj: Quem pode dizer? Isso simplesmente aconteceu. Coisas acontecem sem causa e sem razão e, de qualquer forma, que diferença faz quem é quem? A sua elevada opinião sobre mim é apenas a sua opinião. A qualquer momento você pode mudá-la. Por que dar tanta importância a opiniões, mesmo que sejam as suas?


Pergunta: Ainda assim você é diferente. Sua mente parece estar sempre quieta e feliz e milagres acontecem a sua volta.

Maharaj: Eu não sei nada sobre milagres. E fico pensando se a natureza admite exceções às suas leis, a menos que concordemos que tudo seja um milagre. Para mim, isso não existe. Há uma consciência onde tudo acontece. Esses milagres são bastante óbvios e fazem parte da experiência de todos. Você apenas não olha com o cuidado suficiente. Olhe atentamente e veja o que eu vejo.


Pergunta: E o que você vê?

Maharaj: Eu vejo o que você também pode ver aqui e agora, mas pelo foco errado da sua atenção. Você não dá atenção a si próprio. Sua mente está cheia de coisas, pessoas e idéias, nunca com você mesmo. Coloque a si mesmo dentro do foco. Torne-se consciente da sua própria existência. Veja como você funciona, verifique os motivos e os resultados das suas ações.

Estude a prisão que você, inadvertidamente, construiu a sua volta. Ao descobrir o que você não é, você acabará se conhecendo. O caminho de volta a si mesmo vai através da recusa e da rejeição. Uma coisa é certa: o real não é imaginário, não é produto da mente. Até mesmo o sentido de "eu sou" não é continuo, apesar de ser um sinalizador útil; ele mostra onde procurar mas não o que procurar. Apenas dê uma boa olhada nisso.

Uma vez que você estiver convencido de que você não pode dizer verdadeiramente nada sobre si próprio, exceto "eu sou", e de que nada daquilo que você aponte possa ser você mesmo, a necessidade do "eu sou" termina. Você não mais tentará verbalizar o que você é. Tudo o que você precisa é livrar-se da tendência de definir a si mesmo. Todas as definições aplicam-se somente ao seu corpo e às suas expressões.

Uma vez que esta obsessão com o corpo termine, você reverterá ao seu estado natural, espontaneamente e sem esforço. A única diferença entre nós é que eu estou consciente do meu estado natural, enquanto você está a devanear. Assim como o ouro usado numa jóia não leva nenhuma vantagem em relação ao ouro em pó, exceto quando a mente as cria, assim também somos uno em essência - diferimos apenas na aparência. Descobrimos isto sendo sinceros, procurando, inquirindo, questionando diariamente, a toda hora, dedicando uma vida a essa descoberta.


Pergunta: O que é real?

Maharaj: Aquilo que não depende de nada para sua existência, que não surge quando surge o universo nem se põe quando o universo se põe, que não necessita de qualquer prova, mas dá realidade a tudo que toca. A natureza do falso é parecer real por um momento. Pode-se dizer que a verdade torna-se o pai do falso. Mas o falso está limitado no tempo e no espaço e é produzido pelas circunstâncias.


Pergunta: Como me liberto do falso e obtenho o real?

Maharaj: Com que propósito?


Pergunta: Para viver uma vida melhor, mais satisfatória, integrada e feliz.

Maharaj: O que quer que seja concebido pela mente deve ser falso, pois é obrigado a ser relativo e limitado. O real é inconcebível e não pode ser aparelhado para um propósito. Deve ser desejado por si mesmo.


Pergunta: Como posso querer o inconcebível?

Maharaj: O que mais é digno de desejo? Concordo, o real não pode ser desejado como uma coisa é desejada. Mas você pode ver o irreal como irreal e descartá-lo. É o descarte do falso que abre o caminho para o verdadeiro.


Pergunta: Entendo, mas como se parece na vida diária atual?

Maharaj: O interesse próprio e o egocentrismo são os pontos focais do falso. Sua vida diária vibra entre o desejo e o medo. Observe-a atentamente e verá como a mente assume inumeráveis nomes e formas, como um rio espumante entre as pedras. Siga o motivo egoísta em cada ação e olhe-o atentamente até que se dissolva.


Pergunta: Para viver se deve cuidar de si mesmo, deve-se ganhar dinheiro para si mesmo.

Maharaj: Não necessita ganhá-lo para si mesmo, mas pode ter que ganhá-lo para uma esposa ou um filho. Pode ser que deva seguir trabalhando para os outros. Mesmo só manter-se vivo pode ser um sacrifício. Não há nenhuma necessidade de ser egoísta. Descarte todo motivo egoísta logo que o veja e não necessitará buscar a verdade; a verdade o encontrará.


Pergunta: Há um mínimo de necessidades.

Maharaj: Não foram satisfeitas desde que você foi concebido? Abandone a escravidão do egoísmo e seja o que é – inteligência e amor em ação.


Pergunta: Mas se deve sobreviver!

Maharaj: Você não pode contribuir para a sobrevivência! Seu ser real é eterno e está além do nascimento e da morte. E o corpo sobreviverá enquanto for necessário. Não é importante uma vida longa. Uma vida plena é melhor que uma longa vida.


Pergunta: Quem vai dizer que é uma vida plena? Depende de meu fundo cultural.

Maharaj: Se você buscar a realidade, deverá se libertar de todos os antecedentes, de todas as culturas, de todos os padrões de pensamento e sentimento. Mesmo a idéia de ser um homem ou uma mulher, ou mesmo humano, deve ser descartada. O oceano da vida contém tudo, não apenas os humanos. Assim, em primeiro lugar abandone a auto-identificação, pare de pensar de si mesmo como assim e assado, como "esse" e "aquele", isto ou aquilo. Abandone todo interesse próprio, não se preocupe com seu bem-estar, material ou espiritual, abandone todo desejo grosseiro ou sutil, deixe de pensar em avanços de qualquer tipo. Você é completo aqui e agora, não necessita absolutamente de nada. Isto não quer dizer que deva ser tolo e imprudente, imprevidente ou indiferente; apenas a ansiedade básica por si mesmo deve cessar. Você necessita algum alimento, roupa e abrigo para você e para os seus, mas este desejo não cria problemas enquanto a ambição não passar por necessidade. Viva em sintonia com as coisas como elas são e não como são imaginadas.


Pergunta: O que sou eu se não um ser humano?

Maharaj: Aquilo que o faz pensar que você é humano não é humano. Não é senão um ponto de consciência sem dimensão, um nada consciente; tudo o que pode dizer sobre si mesmo é: "eu sou". Você é puro ser – Consciência – bem-aventurança. Compreenda que este é o fim de toda busca. Você chega a ele quando vir que tudo o que pensa sobre si mesmo é mera imaginação, e permanece distante, na pura consciência do transitório como transitório, do imaginário como imaginário, do irreal como irreal. Isto não é de forma alguma difícil, mas o desapego é necessário. É o apego ao falso que faz tão difícil a visão do verdadeiro. Uma vez que entenda que o falso precisa de tempo e que necessitar de tempo é falso, você estará mais próximo da Realidade, a qual é eterna, sempre no agora. A eternidade no tempo é mera repetição, como o movimento de um relógio. Flui do passado para o futuro interminavelmente, uma perpetuidade vazia. A Realidade é que faz o presente tão vivo, tão diferente do passado e do futuro, os quais são meramente mentais. Se você precisar de tempo para alcançar algo, deverá ser falso. O real está sempre com você; não precisa esperar para ser o que você é. Apenas não deve permitir que sua mente saia de você mesmo na busca. Quando quiser algo, pergunte a si mesmo: realmente necessito disto? E, se a resposta for não, então meramente abandone-o.


Pergunta: Não devo ser feliz? Posso não necessitar de algo, mas se puder me fazer feliz não deverei pegá-lo?

Maharaj: Nada pode lhe fazer feliz mais do que é. Toda busca de felicidade é miséria e leva a mais miséria. A única felicidade digna do nome é a felicidade natural de ser consciente.


Pergunta: Não necessito de grande experiência antes de poder alcançar tão elevado nível de consciência?

Maharaj: A experiência deixa apenas recordações atrás de si e aumenta a carga que é bastante pesada. Não precisa de mais experiências. Bastam as passadas. E se sentir que necessita de mais, olhe para dentro do coração das pessoas a seu redor. Encontrará tal variedade de experiências que você não poderia passar nem em mil anos. Aprenda com as aflições dos outros e salve-se a si próprio. Não é experiência o que você necessita, mas a liberdade de toda a experiência. Não seja ávido por mais experiência, não necessita de nenhuma.


Pergunta: Você não passa por experiências?

Maharaj: As coisas acontecem a meu redor, mas eu não tomo parte nelas. Um evento torna-se uma experiência apenas quando estou emocionalmente envolvido. Estou em um estado que é completo, que não busca melhorar-se. Para mim, qual a utilidade da experiência?


Pergunta: Necessita-se de conhecimento, educação.

Maharaj: Para tratar com as coisas é necessário o conhecimento das coisas. Para tratar com as pessoas, é necessário percepção, simpatia. Para tratar consigo mesmo, não precisa de nada. Seja o que você é – ser consciente, e não se perca.


Pergunta: A educação universitária é muito útil.

Maharaj: Sem dúvida, ajuda-o a ganhar a vida. Mas não o ensina a viver. Você é um estudante de psicologia. Isto pode ajudá-lo em certas situações. Mas você pode viver pela psicologia? A vida é digna deste nome quando reflete a Realidade em ação. Nenhuma universidade o ensinará a viver de modo que, quando chegar a hora da morte, você possa dizer: vivi bem, não preciso viver de novo. A maioria de nós morre desejando viver novamente. Tantos erros cometidos, tanta coisa deixada sem fazer. A maioria das pessoas vegeta, mas não vive. Meramente acumulam experiência e enriquecem suas memórias. Mas a experiência é a negação da Realidade, a qual não é nem sensória nem conceitual, nem do corpo, nem da mente, embora inclua e transcenda a ambos.


Pergunta: Mas a experiência é muito útil. Pela experiência se aprende a não tocar uma chama.

Maharaj: Já disse que o conhecimento é mais útil para tratar com as coisas. Mas não o ensina a como tratar com as pessoas e consigo mesmo, a como viver uma vida. Não estamos falando de dirigir um automóvel, ou ganhar dinheiro. Para isto você necessita de experiência. Mas, para ser uma luz dentro de si mesmo, o conhecimento material não o ajudará. Você necessita algo muito mais íntimo e mais profundo do que o conhecimento mediato, para ser seu ser no verdadeiro sentido da palavra. Sua vida externa não é importante. Você pode tornar-se um vigilante noturno e viver com muita alegria. É o que você é internamente que interessa. Sua paz e alegria interiores devem ser merecidas. É muito mais difícil que ganhar dinheiro. Nenhuma universidade pode ensinar-lhe a ser você mesmo. O único modo de aprender é pela prática. Comece agora mesmo a ser você mesmo. Descarte tudo o que você não é e vá sempre mais profundamente. Como um homem que cava um poço e rejeita o que não é água até chegar ao veio d'água, igualmente você deve descartar o que não é seu até que não fique nada que possa ser rejeitado. Você perceberá que o que fica não é nada ao qual a mente possa agarrar-se. Você nem mesmo é um ser humano. Simplesmente é – um ponto de Consciência, co-extensivo com o tempo e espaço e além de ambos, a causa última, ela mesma incausada. Se me perguntar: "Quem sou eu?" Minha resposta seria: "Nada em particular. Não obstante, eu sou".


Pergunta: Se você não for nada em particular, então você deverá ser o universal.

Maharaj: O que é ser universal – não como um conceito, mas como um modo de vida? Não separar, não opor, mas compreender e amar tudo quanto entra em contato com você é viver universalmente. Ser capaz de dizer verdadeiramente: eu sou o mundo, o mundo sou eu, estou em casa no mundo, o mundo me pertence. Toda existência é minha existência, toda consciência é minha consciência, toda aflição é minha aflição e toda alegria é minha alegria – esta é a vida universal. Mesmo assim, meu ser real – e o seu também – está além do universo e, portanto, além das categorias do particular e do universal. É o que é, totalmente autônomo e independente.


Pergunta: Acho difícil entender.

Maharaj: Você deve dar tempo a si mesmo para pensar sobre estas coisas. Os velhos sulcos em seu cérebro devem ser apagados sem que se formem novos. Você deve se entender como o imóvel, por trás e além do que muda - a silenciosa testemunha de tudo o que acontece.


Pergunta: Quer dizer que devo abandonar toda idéia de uma vida ativa?

Maharaj: Não, de forma alguma. Haverá casamento, filhos, ganhar dinheiro para manter a família; tudo isto acontecerá no curso natural dos eventos porque o destino deve cumprir-se; você passará por isto sem resistência, confrontando as tarefas como vierem, atento e solícito nas pequenas e nas grandes coisas. Mas a atitude geral será de carinhoso desapego, de enorme boa vontade, sem esperar retorno, dando constantemente sem nada pedir. No casamento, você não é nem o marido nem a esposa; você é o amor entre os dois. Você é a clareza e a bondade que tornam tudo ordenado e feliz. Pode parecer vago para você, mas, se pensar um pouco, descobrirá que a dimensão mística é a mais prática, pois faz com que sua vida seja criativamente feliz. Sua consciência é elevada a uma dimensão superior, da qual se vê tudo muito mais claramente e com maior intensidade. Compreenda que a pessoa que você se tornou no nascimento, e que cessará de ser na morte, é temporária e falsa. Você não é criatura sensual, emotiva e intelectual, oprimida por desejos e temores. Descubra seu ser real. O "que sou eu?" é a questão fundamental de toda filosofia e psicologia. Vá profundamente para dentro dela."

*Excertos do livro:


sábado, março 21, 2009

Aprenda a ouvir o Silêncio


ESPERE PELA CLAREZA


Buda está passando por uma floresta. É um dia quente de verão e ele está com sede; então ele pede a Ananda, seu guardião: "Ananda, volte. A uns três ou quatro quilômetros daqui, passamos por um pequeno riacho. Leve minha cumbuca e traga um pouco de água para mim. Estou com muita sede e muito cansado".

Ananda volta, mas, quando chega ao riacho, alguns carros de boi estão acabando de passar por ele e deixam todo o pequeno riacho cheio de lama; folhas mortas que repousavam no fundo do riacho estão boiando por toda parte. Não é mais possível beber a água, ela está muito suja. Ele volta com as mãos vazias e diz: "Você terá de esperar um pouco. Eu seguirei em frente, pois ouvi dizer que a apenas dois ou três quilômetros há um grande rio. Trarei água de lá".

Mas Buda insiste: "Volte e traga a água daquele riacho".

Ananda não consegue entender a insistência, mas se o mestre assim diz, o discípulo precisa seguir. Ele vai, mesmo percebendo o absurdo daquilo: de novo ter de caminhar três a quatro quilômetros e sabendo que a água não é boa para beber.

Quando ele está partindo, Buda diz: "E não volte se a água ainda estiver suja. Se ela estiver suja, simplesmente sente-se à margem em silêncio. Não faça nada, não entre no riacho. Sente-se tranquilamente na margem e observe. Mais cedo ou mais tarde a água ficará limpa de novo, e então encha a cumbuca e volte".

Ananda vai, e Buda está certo: a água está quase limpa, as folhas foram embora e a lama se assentou. Mas ela ainda não está absolutamente limpa, então ele se senta à margem observando o riacho fluir, e lentamente a água fica cristalina. Então ele volta dançando, entendendo agora por que Buda foi tão insistente. Havia uma certa mensagem para ele naquilo, e ele entendeu a mensagem. Ele dá a água a Buda, agradece-lhe e toca os seus pés.

Buda diz: "O que você está fazendo? Eu é que deveria lhe agradecer por ter trazido a água para mim".

Ananda diz: "Agora posso entender. Primeiro eu fiquei com raiva, embora não tivesse demonstrado, mas fiquei com raiva porque era um absurdo ter que voltar. Mas agora entendo a mensagem. Aquilo que era o eu, na verdade, precisava naquele momento. O mesmo acontece com a minha mente; ao ficar sentado na margem daquele pequeno riacho, fiquei consciente de que o mesmo acontece com a minha mente. Se eu pular no riacho, novamente o deixarei sujo. Se eu mergulhar na mente, mais barulho será criado, mais problemas começarão a surgir, a aflorar. Ao ficar sentado ao lado do riacho, aprendi a técnica.

"Agora também ficarei sentado ao lado da minha mente, observando-a com todas as suas sujeiras, problemas, folhas mortas, mágoas, feridas, memórias, desejos... Sem me envolver, eu me assentarei à margem e esperarei pelo momento em que tudo estiver cristalino."
(Osho)


O SILÊNCIO REVELADOR
DA VERDADE

Os mestres de todos os tempos enfatizaram a importância da Prática do Silêncio para o conhecimento da Verdade. Muitos acham que “silêncio” é ficar sem ruídos por perto; porém, o sentido é outro: trata-se de silenciar a mente humana, para que a Consciência Iluminada, a nossa Consciência verdadeira, possa ser percebida. E, quando a percebemos, descobrimos ser ela a Verdade que somos, eternamente dentro de nós mesmos.

A dificuldade apontada por muitos está justamente em “como paralisar a mente humana”. Você não deve ficar preocupado com isto! Durante os minutos no Silêncio, os pensamentos vêm e vão; não é preciso que lute para paralisá-los. Basta não se identificar com eles; e, para tanto, tome algum princípio espiritual ou tema, e retenha-o na mente para ponderar sobre seu sentido mais profundo; em seguida, naturalmente, identifique-se com a Mente de Cristo, discernindo a presença da Consciência iluminada consciente de ser VOCÊ. Este é o “Silêncio Contemplativo” propriamente dito.

Escreve Allen White: “A dificuldade sentida para aquietar a mente se deve ao fato de darmos início às meditações como se fôssemos um “ser humano”, esperançoso de aquietar uma “mente humana”, o que faz prevalecer, do início ao fim da prática, uma verdadeira batalha.”

Allen sugere que comecemos reconhecendo: “eu de mim mesmo não posso meditar ou contemplar, e não posso me aquietar.” Em seguida, que nos posicionemos em condição de “escuta interior”. Os pensamentos estranhos serão desprezados, pelo lembrar constante dessas sugestões, até que uma quietude interna até então nunca sentida seja espontaneamente percebida. Será o próprio Deus em Autocontemplação. Esta é a verdadeira “Prática do Silêncio”.
-Dárcio Dezolt-


quinta-feira, março 19, 2009

Aqui mesmo, agora mesmo (Osho)

Querido Osho,

Enquanto ouvia sua palestra ontem, eu senti como se não estivesse nesta Terra; eu era uma pequena partícula de luz no céu infinito e aberto. Depois da palestra, também uma experiência de claridade e vazio continuou e eu quis me manter perambulando neste céu. Eu não sei o que são conhecimento, karma e devoção, mas na solidão eu quero permanecer imerso neste estado. Todavia algumas vezes surge o sentimento de que isso pode ser loucura, de que isso pode ser um truque do meu ego. Por favor, clareie o meu caminho.





"Nós estamos nesta Terra, mas na verdade nós não podemos estar nela, e nós não estamos. Eu sinto isto: nós somos estranhos nesta Terra. Nós fizemos um lar em nosso corpo, mas o nosso corpo não é o nosso lar.

É como se alguém se estabelecesse no estrangeiro e esquecesse sua terra natal. De repente, no mercado, ele se encontra com alguém que fala a sua língua materna e o faz lembrar de casa. Por um momento o país estrangeiro desaparece e sua terra natal se faz presente.

Este é o significado das escrituras.

Este é o verdadeiro propósito das palavras dos mestres.

Após ouvi-los, por um momento, nós não estamos mais aqui. Nós vamos para o lugar onde pertencemos. Nós fluímos em sua música. As situações que nos haviam envolvido completamente desaparecem e aquilo que estava muito longe se aproxima.

As palavras de Ashtavakra são absolutamente únicas. Ouvindo-as, isso acontecerá muitas vezes, você sentirá que não é desta Terra, mas que se tornou parte do céu, porque essas palavras são do céu. Essas palavras vêm da terra natal, vêm daquela fonte da qual todos nós viemos e à qual todos nós retornaremos. Sem voltar para ela, nós nunca encontraremos paz.

O lugar onde nós estamos é como uma pousada e não um lar. Não importa o quanto nós possamos insistir que ele é um lar, ainda assim uma pousada permanece uma pousada. Para esquecer o lar, tentamos argumentar que ele está longe, mas isso não faz diferença. O espinho continuará nos espetando, a memória continuará retornando. E se em algum momento, nos acontece encontrar uma certa verdade que nos atrai como um magneto e nos mostra um outro mundo, então nós percebemos que não somos parte desta Terra.

Isso é bom: ‘Enquanto ouvia sua palestra ontem, eu senti como se não estivesse nesta Terra.’ Não há quem seja desta Terra. Nós aparentamos ser dela, nós sentimos como se fôssemos dela; na verdade, nós existimos no céu. A nossa natureza é do céu.

O ser significa o céu interior.

O corpo significa a Terra, o corpo é feito com a Terra. Você é feito com o céu.
Esses dois se encontram dentro de você.

Você é o horizonte onde a Terra parece encontrar o céu. Mas alguma vez eles se encontram? Ao longe, no horizonte, parece que o céu está tocando a Terra. Você começa a caminhar naquela direção achando que vai alcançar aquele ponto em um ou dois minutos. Pode continuar caminhando por várias vidas e você nunca alcançará o ponto onde o céu toca a Terra. Ele é apenas uma miragem. Sempre vai parecer que um pouco mais adiante você vai conseguir chegar, só um pouquinho mais adiante.

O horizonte não existe, é só aparência. No nosso interior ocorre o mesmo que no horizonte externo. Internamente nenhum contato jamais aconteceu também. Como o ser toca o corpo? Como o imortal encontra o mortal? O leite se mistura com água, ambos são da Terra. Mas como o ser irá se fundir com o corpo? Suas qualidades básicas são diferentes. Por mais próximo que eles cheguem, eles não conseguem se tocar. Eles podem permanecer próximos para sempre, ainda assim eles não conseguirão se tocar, eles não conseguirão se encontrar. É apenas a nossa suposição, a nossa idéia. O horizonte existe apenas como uma idéia nossa.

Se você permitir que as afirmações de Ashtavakra penetrem seu coração como flechas, elas irão acordá-lo e relembrá-lo. Elas irão despertar aquela memória esquecida há muito tempo. Por um momento o céu se abrirá, as nuvens irão separar-se e a sua vida será preenchida com a luz do sol.

Isto pode ser difícil, pois esta experiência é contra todo o nosso modo de viver. Isto causará desconforto. E não foi você quem dispersou as nuvens no seu interior. Elas foram dispersas pelas palavras de um mestre. Depois elas se reunirão novamente. Antes que você volte para casa, de novo as nuvens o estarão rodeando. Você não abandona seus hábitos assim tão rapidamente. De novo as nuvens irão se reunir e você se sentirá ainda mais incomodado. Você duvidará. Não terá sido um sonho, aquilo que você viu? Não foi um certo tipo de projeção? Será que não foi um truque do ego, da mente? Não teria talvez você entrado numa certa loucura?

Naturalmente, o peso de seus hábitos é grande; eles são muito antigos. A escuridão é antiga, embora ela não tenha existência real. Sempre que os raios da luz do sol explodem internamente, eles são novos, absolutamente frescos. Mas você vê os raios só por um instante e novamente já está perdido na escuridão. A sua escuridão tem uma história muito longa. Quando você coloca os dois na balança, dúvidas surgem sobre a luz do sol, mas não a respeito da escuridão. A escuridão é que deveria ser colocada em dúvida. Ao invés disto, duvida-se da luz do sol, porque os seus raios são novos e a escuridão é muito velha. A escuridão é como uma tradição avançando ao longo dos séculos. Os raios de luz acabaram de chegar, frescos e novos. Tão novos... Como é possível confiar neles?

‘Eu senti como se não estivesse nesta Terra.’ Ninguém é desta Terra. Não podemos ser desta Terra. Pensar de outra maneira é apenas crença e projeção nossa. Parece que é, mas não é a verdade.

'Eu era uma pequena partícula de luz no céu infinito e aberto.’ Isto é apenas o começo. '... uma pequena partícula de luz no céu infinito.’ Logo você sentirá, ‘Eu sou o céu infinito’. Isto é apenas o começo.

Neste exato momento nós não estamos prontos para estar completamente absorvidos no céu infinito. E se nós sentirmos que o vôo está chegando, a tempestade chegando e que os ventos estão nos levando embora, ainda assim nós estaremos nos sentindo separados e nos preservando. ’ ...uma partícula de luz...’ Você não é mais a escuridão, você tornou-se uma partícula de luz. Mas ainda existe ali uma distinção em relação ao céu; a divisão permanece, uma separação permanece. O máximo vai acontecer no dia em que você se tornar o céu. Por ora, a partícula de luz ainda está separada. No dia em que você se tornar integrado, você sentirá: ‘Eu sou o vasto céu vazio.’

É assim que expressamos isto em palavras: ‘eu sou um céu vazio.’ Mas como isto é possível enquanto o ‘Eu’ está ali? Se o ‘Eu’ está, então o céu permanece separado. Quando a percepção de céu vazio chega, então ‘Eu’ já terá ido e somente o céu vazio permanece.

As pessoas dizem, ‘Aham brahmasmi – Eu sou Deus, eu sou Brahma.’ Mas quando Brahma é, como pode ‘Eu’ permanecer? Somente Brahma permanece, não eu. Mas não existe outra maneira de expressá-lo.

A linguagem é para pessoas que estão dormindo. A linguagem pertence àqueles que se estabeleceram num país estrangeiro, mas o consideram como sua terra natal.

O silêncio é para aqueles que sabem.

A linguagem é para o ignorante.

Assim, tão-logo você diz alguma coisa, só por dizê-lo, a verdade se torna não-verdade. ‘Aham Brahmasmi’ – eu sou Brahma, eu sou o céu. Diga e isto se torna uma mentira. Apenas o céu é. Mas dizer, ‘apenas o céu é’ não é a verdade total, porque o ‘apenas’ indica que deve haver alguma coisa mais, caso contrário, por que a ênfase no apenas? ‘Céu é’? Mesmo isto é difícil dizer porque ‘é’ pode tornar-se ‘não é’.

Nós dizemos ‘a casa é.’ Um dia ela deixará de ser. Ela pode desabar, tornar-se uma ruína. Nós dizemos, ‘o homem é’ pois algum dia o homem morrerá. O céu não é como isto, que algumas vezes é e algumas vezes não é. O céu sempre é. Assim, dizer ‘o céu é’’ é uma repetição. A própria natureza do céu é ser. Então, por que repetir ‘é’?É correto dizer ‘é’ para aquelas coisas que um dia deixam de existir. Um homem é. Um dia ele não era, hoje ele é e amanhã novamente não será. O nosso ‘é’ existe entre dois ‘não’.

O ‘é’ do céu, era ontem, é hoje e será amanhã. Qual o sentido de ‘é’ entre dois ‘é’? O ‘é’ tem sentido entre dois ‘não é’. Assim, dizer, ‘o céu é’ também é uma repetição. Vamos dizer ‘céu’. Mas quando eu digo céu significa que existe alguma coisa que é diferente dele, separado dele, caso contrário, qual a necessidade de uma palavra? Se só existe um não há necessidade de dizer um. O um tem sentido quando existe o dois, o três, o quatro, quando existem números. Por que dizer céu?

Por isso a sabedoria é silenciosa. É impossível trazer a sabedoria definitiva ao mundo das palavras.

Mas nós somos afortunados por indivíduos raros como Ashtavakra terem feito esforços incansáveis e impossíveis. O tanto quanto foi possível, eles fizeram para traduzir em palavras a fragrância da verdade. E observe que poucos foram tão bem sucedidos quanto Ashtavakra em suas tentativas. Muitos tentaram traduzir em palavras a verdade e todos foram derrotados. A derrota é certa. Mas se você olhar entre os derrotados, Ashtavakra foi o último a sê-lo. Ele é o que mais sucesso obteve. Se você ouvir corretamente, você se relembrará de seu lar.

É auspicioso você ter sentido que era uma partícula de luz. Prepare-se para se perder. Um dia você perceberá que a partícula de luz também se perdeu e somente o céu permanecerá. Então, a embriaguez dominá-lo-á completamente. Então, você se afogará no vinho da verdade. Então, você dançará e experienciará o sabor total do néctar.

Depois da palestra também uma experiência de claridade e vazio continuou e eu quis me manter perambulando nesse céu.’ Aqui nós cometemos um pequeno engano. Quando nós temos qualquer experiência prazerosa, nós queremos repeti-la várias vezes. Como é fraca a mente humana! Ela é cheia de desejos. Cheia de ganância; tentações continuam surgindo. Ela quer repetir tudo o que é prazeroso. Mas lembre-se de uma coisa: a repetição já está errada. Assim que você deseja, ‘deixe acontecer novamente’, aquilo nunca acontece, porque a primeira vez que ocorreu, não foi por causa do seu desejo. Aquilo aconteceu por si mesmo, não foi um ato seu.

É aqui que Ashtavakra coloca toda a sua ênfase: a verdade acontece. Ela não é um ato, ela é um acontecimento. Isso aconteceu com você enquanto ouvia. O que você estava fazendo? Ouvindo significa que você nada estava fazendo. Você estava sentado completamente vazio. Você estava silencioso, você estava alerta, você estava desperto, você não estava dormindo. Bom! Mas o que você estava fazendo? Você era simplesmente um receptor. Sua mente era como um espelho, o que vinha diante dela era refletido, o que era dito, era ouvido. Você não estava acrescentando coisa alguma. Se você tivesse acrescentado alguma coisa, aquilo nunca teria acontecido. Você não estava fazendo comentários, você não estava dizendo em sua mente: ‘Sim, isto é certo e aquilo é errado. Eu concordo com isto ou eu discordo. Isto está de acordo com as escrituras.’ Ou ‘Isto não é’. Você não estava fazendo afirmações lógicas a respeito daquilo. Se você tivesse se perdido na lógica, este acontecimento nunca teria acontecido.

Eu sei quem fez a pergunta: é o Swami Om Prakash Saraswati. Sua mente já está muito longe da lógica, muito longe das dúvidas e argumentações. Aqueles dias já se foram. Um dia ele formulou argumentos lógicos, levantou dúvidas. Mas agora ele está amadurecido com as experiências da vida. Agora aquela infantilidade não está mais em sua mente. Foi por isto que a experiência pôde acontecer. Ele estava simplesmente ouvindo, sentado, nada fazendo. Ele simplesmente sentou-se e aconteceu.

Aconteceu a primeira vez sem que você tenha feito alguma coisa. Se você quiser que aconteça uma segunda vez, isto irá criar uma perturbação. O desejo não foi causa para que aquilo acontecesse. Assim, quando um raro acontecimento surge, não deseje. Quando ele acontece, aceite-o alegremente. Quando ele não acontece, não reclame, não peça para que ele aconteça. Se pedir, você perderá. Pedir é uma exigência, uma insistência: ‘Aquilo devia acontecer. Aconteceu uma vez, por que não acontece agora?’

Isto ocorre todos os dias. Quando as pessoas vêm aqui para meditar, no começo elas estão frescas e novas. Elas não têm qualquer experiência, por isto acontece. Isto é muito surpreendente. Você precisa compreender isto. Isto irá ajudá-lo a entender melhor o Ashtavakra. Esta é a minha experiência diária. Quando as pessoas vêm novas e frescas e sem qualquer experiência com meditação, ela acontece. Ela acontece e eles ficam preenchidos com alegria. Mas a própria experiência cria dificuldades, pois surge a expectativa. O que aconteceu hoje, deverá acontecer amanhã; e não apenas acontecer, mas ainda com mais força. Mas ela não acontece e eles se aproximam de mim chorando. E dizem, ‘O que aconteceu? Por acaso cometemos algum engano? Ela aconteceu uma vez, mas não agora.’

‘Este é o seu engano’, eu lhes digo. ‘Quando a meditação aconteceu na primeira vez, você não estava esperando coisa alguma; agora você está. Agora a mente não é mais inocente. Ela foi contaminada pela sua expectativa. Agora você não é genuíno, você não está aberto. O questionamento fechou as portas. A expectativa surgiu e ela deteriora tudo. Agora o desejo foi desperto e a ganância entrou.’

Isto acontece todos os dias. Pessoas que meditaram por longo tempo continuam tentando muitos métodos, mas somente conseguem se entregar à meditação com grande dificuldade. A experiência delas torna-se uma barreira.

Algumas vezes alguém simplesmente vem, fluindo com a vibração... sem nem mesmo pensar em meditação. Um amigo estava vindo e então ele pensou, ‘vamos ver o que é isto’. Ele veio só por curiosidade, sem desejos, sem buscas espirituais, sem esforços em direção à meditação; simplesmente veio. Alguma coisa disparou internamente quando ele viu outras pessoas meditando e juntou-se a elas. E então a meditação aconteceu! Ele ficou surpreso: ‘eu não vim para meditar, mas a meditação aconteceu.’ Agora os problemas começam. Agora, quando ele vem novamente, existe expectativa. A mente está interessada; aquilo deve acontecer de novo. Existe uma ganância, um desejo pela repetição. A mente entrou e todo o processo ficou perturbado.

Aconteceu apenas quando não havia mente.

Lembre-se: a mente é o desejo pela repetição.



Deixe que o prazeroso aconteça de novo, não deixe que o desagradável repita; isto é a mente. A mente escolhe: deixe que isto aconteça e que aquilo não aconteça. Deixe que aconteça mais vezes deste jeito e nunca daquele jeito; isto é a mente.

Quando você começa a fluir com a vida, o que acontece está ok, o que não acontece, também está ok. O sofrimento chega e é aceito. O sofrimento chega e não há resistência alguma. A felicidade chega e ela é aceita. A felicidade chega e não há qualquer excitação. Quando há tranqüilidade em ambas as situações, felicidade e sofrimento, uma serenidade começa a surgir. Então, felicidade e sofrimento começam a parecer muito semelhantes, porque nenhuma escolha é feita. Agora está fora de nossas mãos. O que acontecer, aconteceu.

Nós continuamos observando. É a isto que Ashvakra chama de sakshi-bhav, o testemunhar. E ele diz que se o testemunhar é alcançado, tudo é alcançado. Internamente, sakshi-bhav desperta a testemunha, externamente ela traz serenidade. Serenidade é a sombra do testemunhar.

Ou, se você alcançar serenidade, o testemunhar chega. Os dois seguem juntos. Eles são os dois pés ou as duas asas de um mesmo fenômeno.

‘Eu quis me manter perambulando neste céu.’ Fique alerta. Não dê à mente a chance de destruir os momentos de meditação. Essa mesma mente já destruiu sua vida. Ela deteriorou todos os seus relacionamentos. Essa mente fez toda a sua vida ficar seca como um deserto. Onde muitas flores poderiam ter desabrochado, existem apenas espinhos. Não traga essa mente com você em sua jornada interior. Diga-lhe adeus e peça-lhe licença. Amorosamente despeça-se dela. Diga-lhe, ‘já é o bastante. Eu não quero pedir mais nada. Qualquer coisa que aconteça, eu estarei acordado e observando.’

Assim que você pede algo, já não consegue mais ser uma testemunha. Você se torna identificado com aquele que se alegra e sofre. Então a meditação desaparece. Estar identificado significa que você está dizendo: ‘Eu sou aquele que gostou disso, isso me fez feliz’.

'Eu não sei o que são conhecimento, karma e devoção, mas na solidão eu quero permanecer imerso neste estado.’ Jogue fora esse querer e você irá entrar nesse mesmo estado. E não apenas na solidão, mas no meio da multidão você irá entrar nele. Mesmo se você estiver no mercado, você vai permanecer imerso. Este estado nada tem a ver com solidão ou multidão, com mercado ou com templo, com massas ou isolamento. Este estado está relacionado com a sua mente tornando-se quieta, estando em equilíbrio. Esse acontecimento terá lugar onde quer que haja paz, serenidade. Mas não peça para que ele ocorra, do contrário, o próprio pedido se tornará intranqüilidade, criará tensão.

Ashtavakra diz, ‘aqui mesmo, agora mesmo.’ O pedido é sempre pelo amanhã. Ele não pode ser aqui e agora. A natureza do pedido é que ele não está no presente. Ele dá um salto. Pedir significa: ‘deixe que aconteça amanhã ou daqui a uma hora.’ O pedido não consegue ser agora mesmo. Um tempo é requerido. Pode ser um tempo muito curto, mas ainda assim, um tempo é requerido. E o futuro não existe. O futuro significa aquilo que não é. Presente significa aquilo que é. O presente e o pedido não se relacionam.

Quando você está no presente, você descobre que não há o que pedir, não há o querer. E então o acontecimento tem lugar. Quando não há qualquer desejo por ele, ele acontece com abundância.

Compreenda bem esse nó duplo. Familiarize-se com todos os seus aspectos. No dia em que você não pedir coisa alguma, tudo acontecerá. No dia em que você não estiver correndo feito um louco atrás do divino, ele chegará até você. No dia em que você não mostrar ânsia alguma por meditação, quando não houver qualquer tensão dentro de você, naquele dia você estará preenchido, transbordando com meditação.

A meditação não vem de fora. O que fica dentro quando você não está tenso é o que se chama meditação. Aquilo que permanece quando não existe desejo dentro de você, é o que se chama meditação.

É como um lago: ventos tempestuosos vêm de repente e as ondas surgem. A superfície do lago fica coberta com tempestade e ventos, tudo fica turvo. A lua está no céu, mas nenhum reflexo é feito porque a superfície está toda ondulada. Como ela pode ser um espelho? O reflexo da lua está quebrado em milhares de pedaços, como prata espalhada por todo o lago, mas nenhuma imagem é revelada.

O lago se torna quieto. Para onde foram as ondas? De onde elas tinham vindo? Elas vieram do próprio lago. Agora elas voltaram a dormir, retornaram ao lago. O lago recuperou a sua quietude. A lua que estava espalhada como prata por toda a superfície do lago, está agora reunida em um só lugar. A imagem se torna clara.

Assim que as ondas no lago de sua mente desaparecem, ondas de desejo, ondas de exigências, ondas de ‘isto deve ser assim e aquilo não deve ser assim’, quando não mais existem ondas no lago da mente, então a verdade é refletida como ela é. E como a beleza da sua lua interior pode ser descrita? Como o seu êxtase pode ser descrito? Um rio de êxtase banha você. O amado interior é encontrado. Então existe uma lua-de-mel, somente então.

Mas se você desejar isto, você o perde.

E eu sei que este desejo é completamente natural. Mas esta é uma grande barreira. É tanta alegria que vem em tais momentos, como evitar desejá-la? É humano. Eu não digo que você cometeu um grande erro, indigno de um ser humano. É um erro absolutamente humano. Quando por um momento a janela se abre e o vasto céu flui em você, quando por um momento a escuridão desaparece e raios de luz descem, é impossível, quase impossível, não desejar que aconteça mais vezes. Mas o impossível tem que ser aprendido. Aprenda hoje, aprenda amanhã ou aprenda depois de amanhã, mas isto terá que ser aprendido. Quanto mais cedo aprender, melhor. Esteja pronto agora mesmo e isto acontecerá imediatamente. Não haverá necessidade de esperar nem por um instante.

‘...eu quero permanecer imerso neste estado.’ Este estado virá. Ele nada tem a ver com a sua mente. Assim, deixe sua mente de lado. Sempre que ela entrar de mansinho, você terá que dizer-lhe, ‘desculpe-me mas você já se intrometeu o bastante! Você já desarrumou o mundo, não queira desarrumar o divino também. Você deteriorou toda a felicidade da vida. Agora a felicidade está vindo de profundezas mais internas; pelo menos não deteriore isto.’

Permaneça alerta e diga adeus à mente.

Pouco a pouco, cada vez mais, tais momentos irão chegar.

Eles chegam através de sua experiência. Sempre que a mente não está, imediatamente a janela se abre de novo. Então correntes de alegrias celestiais fluem, de novo a luz desce. E você estará outra vez radiante e intoxicado, afogado no néctar.

Quando acontecer repetidas vezes, ficará claro. Você se tornará hábil em manter a mente longe. Quando o momento acontecer, deixe que aconteça. Quando não acontecer, espere quietamente por ele. Ele virá. O que já veio, virá mais vezes; simplesmente não o deseje. Não entre no meio com sua mente. Não crie obstáculo.

‘Todavia algumas vezes surge o sentimento de que isso pode ser loucura...’ Tais sentimentos surgem no intelecto, porque ele não consegue acreditar que a felicidade é possível. O intelecto sente-se absolutamente à vontade com a infelicidade. Ele aceita totalmente a infelicidade porque foi ele quem a criou. Quem não vai aceitar seu próprio filho? Assim o intelecto diz, ‘se existe infelicidade, está absolutamente certo. Mas a felicidade definitiva? Certamente deve ter ocorrido algum engano. Ela tem acontecido sempre? Deve ser imaginação. Você viu um sonho, perdeu-se em algum devaneio. Você está hipnotizado. Certamente você ficou louco.’ O intelecto muitas vezes diz tais coisas. Não escute. Não preste atenção a isto. Se você prestar atenção, a experiência irá parar. Aquelas portas e janelas não irão se abrir de novo.

Lembre-se de uma coisa: felicidade é a definição de verdade. Sempre que você encontrar alegria, saiba que ela é verdade.

É por isto que temos chamado o divino de sat-chit-anand, verdade, consciência, felicidade. Anand é a definição final para isto. A felicidade está mesmo acima da verdade e da consciência. Verdade, consciência e felicidade. A verdade e a consciência são degraus mais baixos e a felicidade é o último degrau. Sempre que a felicidade flui, sempre que você encontra o êxtase, não se preocupe, você está próximo da verdade.

É como alguém se aproximando de um jardim. A brisa se torna mais fresca; o canto dos pássaros começa a ser ouvido, um frescor começa a ser percebido. O jardim ainda não está visível, mas estes sinais lhe dizem que este é o caminho certo, que está se aproximando do jardim. Da mesma maneira, quando você começa a aproximar-se da verdade, fontes de felicidade informam. A mente começa a ficar mais fresca, você fica mais equilibrado, a paciência fica maior, a felicidade aumenta. Uma grande alegria domina você, sem motivo algum. Nenhuma razão pode ser encontrada. Você não ganhou na loteria, não fez um negócio muito lucrativo, nem conseguiu um emprego de muito prestígio. Ou pode acontecer que você perdeu o emprego que tinha, que perdeu o que estava em suas mãos, o seu negócio foi à falência; mas existe uma grande alegria sem motivo que continua dançando internamente e nunca pára. O intelecto dirá, ‘você ficou louco? Estes são os sinais de loucura!’

Este é um mundo muito estranho. Somente os loucos parecem felizes. É por isto que o intelecto diz que você deve ter ficado louco. Existem milhares de motivos para estar feliz, todavia o homem está infeliz. Ele pode ter um grande palácio, riquezas, todo tipo de conforto, ainda assim ele não estará feliz. Este é um mundo de pessoas miseráveis, a maioria é miserável. Se você começar a rir sem motivos, as pessoas vão dizer que você está louco. E se você disser, ‘este riso surgiu sem qualquer razão, ondas de risos surgiram dentro de mim e simplesmente espalharam-se,’ as pessoas dirão, ‘É o bastante! A sua mente está perturbada.’

Mas se você ficar com a cara triste, parecendo tão abatido que mesmo um fantasma ao vê-lo ficará amedrontado, então você está bem, está ok, sem problemas, e tudo acontecerá normalmente para você. Então você é um homem como outro qualquer. Você é humano da maneira como os seres humanos devem ser. Mas quando você começa a sorrir, começa a gargalhar, a cantarolar canções, a dançar nas calçadas, então certamente você enlouqueceu.

É desta maneira que nós temos negado Deus. Se ele viesse aqui, nós o colocaríamos num manicômio. Talvez seja por esta razão que ele não vem. Ele deve ter medo de vir.

A felicidade tem sido boicotada. Nós banimos a alegria de nossas vidas.

Nós nos sentamos abraçados com a infelicidade. Aqui, um homem pessimista parece inteligente, um homem alegre parece insano. Todo o nosso critério está de cabeça para baixo. É natural: se de repente o que você considerou inteligente ao longo de sua vida começar a desaparecer, começar a desmontar; se as bases de sua chamada inteligência começar a chacoalhar e você começar a ver alegria em todo lugar, e lembre-se, ‘sem motivo’ ... Isto é o que as pessoas chamam de insanidade: feliz sem motivo, absolutamente sem motivo. Você está sentado sozinho e começa a rir. É o suficiente. Você ficou louco, porque somente pessoas loucas fazem isto.

Compreenda: o insano e o paramahansa, o iluminado, são um pouco semelhantes. Os insanos riem e são felizes; eles perderam sua inteligência. Os paramahansas também riem e são felizes; eles foram além do intelecto. Ambos riem, o insano porque está abaixo do intelecto e o paramahansa porque foi além. Existe esta pequena semelhança entre os dois. O insano e o paramahansa têm uma coisa em comum: ambos perderam o intelecto. Um abandonou-o conscientemente e o outro, inconscientemente. Por isto a diferença é vasta, tão diferente quanto o céu e a Terra, mas ainda assim existe esta semelhança. Assim, algumas vezes você vê um paramahansa como se fosse um louco e outras vezes vê um louco como se fosse um paramahansa. Enganos continuam acontecendo.

No ocidente há muitas pessoas trancadas em manicômios que não são insanas. Se elas tivessem nascido no oriente, elas seriam respeitadas como paramahansas. No oriente existem muitos loucos que são considerados como paramahansas. Estes enganos acontecem. Esta confusão é natural.

Tenha com você este critério: se a alegria está crescendo, não é preciso se preocupar. Mas a alegria também pode crescer devido à insanidade. Então o critério seguro é: se a sua alegria está crescendo e com isto você não está fazendo a infelicidade de terceiros aumentar, então continue sem se preocupar. A sua alegria não pode ser dependente de violência contra terceiros, agressões, ou de fazer com que os outros sejam infelizes. Não há qualquer razão para se ter medo de enlouquecer. Ainda que você esteja enlouquecendo, isto é um bom sinal. Entre nisto sem qualquer hesitação.

Você precisa se preocupar somente quando começar a fazer mal a alguém. Ninguém é incomodado pela sua dança. Mas se alguém está dormindo e você toca o seu tambor em cima de sua cabeça e começa a dançar...? Dance; não há nenhum problema nisto. Cante suas preces; isto é bom. Mas se no meio da noite você pega seu microfone e começa a cantar um kirtan sem fim, então você está realmente louco, embora na Índia ninguém diga que você está louco por cantar canções devocionais. Muitos loucos fazem isto. Eles dizem, ‘Nós estamos apresentando um kirtan sem interrupção, direto por vinte quatro horas. Se você dorme ou não, o problema é seu. E se você fizer objeção ao nosso programa, é você que não é religioso.’

Observe para que a sua alegria não seja violenta. Isto é o suficiente. A sua alegria deve ser sua. Não perturbe a vida de ninguém com ela. Deixe que suas flores desabrochem, mas não deixe que ninguém seja arranhado pelos seus espinhos. Se você sempre se certificar disto, você estará se movendo na direção certa. Quando você perceber que os outros estão sendo perturbados pelo seu comportamento, preste atenção. O seu movimento não estará sendo em direção à iluminação, mas sim estará no caminho da insanidade.

Ninguém é perturbado pelo Om Prakash. Você pode ir adiante sem hesitação e sem medo.”

OSHO – Enlightenment: The Only Revolution - Cap. 2 – pergunta n° 1
Tradução: Sw. Bodhi Champak

terça-feira, março 17, 2009

O entendimento correto de "esforçar-se"

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Masaharu Taniguchi

Em uma mesa-redonda de discussão sobre a Verdade, da qual eu participava, surgiu o debate da seguinte questão: "O esforço é necessário ao homem?" O sr. Tane Ito externou sua opinião: "O esforço não é necessário. Onde não há esse tipo de tensão chamada esforço é que existe o verdadeiro fluir da Vida". O sr. Akira Sato, referindo-se ao sr. Ito, comentou: "Ele vive dizendo que não é necessário esforçar-se, mas não há ninguém que se esforce mais do que ele". O sr. Yatsuharu Yamane (que é ao mesmo tempo, escultor, carpinteiro, marceneiro, pedreiro, ebanista, empapelador, pintor, e que também possui profundos conhecimentos de astronomia e filosofia) afirmou: "As pessoas dizem que sou um gênio, mas eu não tenho esse dom excepcional. Como percebi que não sou um gênio e que portanto precisava me esforçar, vim somando esforços". Tanto o argumento do sr. Ito como o do sr. Yamane, parecem-me ser, em última análise, a mesma coisa.

Expliquei valendo-me da seguinte frase de alguém da mesa-redonda em Morioka: "Se traçarem uma faixa de 10 centímetros de largura sobre o asfalto da avenida e mandarem-me correr sobre ela de bicicleta, sem me desviar, serei capaz de fazê-lo sem nenhuma dificuldade. Mas se colocarem uma tábua de 10 centímetros sobre um rio bastante largo, e me mandarem passar sobre ela de bicicleta, é quase certeza que fracassarei e cairei no rio".

E acrescentei o seguinte: "Por que será que, sendo a mesma largura de 10 centímetros, quando se trata de uma faixa sobre a avenida, a pessoa não tem dificuldade para manter-se dentro dela, e tratando-se de uma tábua colocada sobre o rio, fracassa? O 'esforço' é uma palavra muito bonita, mas dá a impressão de luta contra a dificuldade, admitindo a existência dela. Se chamarmos de 'esforço' ao fato e agir para vencer a 'dificuldade', reconhecendo-a como dificuldade, isso será como atravessar a ponte de 10 centímetros de largura colocada sobre o rio. A pessoa cai da tábua porque reconhece primeiramente que 'isso é difícil'. Porém, quando a pessoa faz o mesmo trabalho com desembaraço, sem considerá-lo difícil, não se aplica a palavra 'esforço' com o sentido de 'trabalhar para vencer a dificuldade'. Será como andar normalmente, sem embaraço, sobre a faixa traçada de giz sobre a avenida. Aos outros pode parecer que está se esforçando porque está em atividade, mas a própria pessoa não está sob tensão para dizer que seja esforço. Simplesmente está trabalhando sem impedir o fluxo natural da Vida. Uma pessoa assim é que diz não estar se esforçando, quando aos olhos dos que a cercam pareça estar.

Quando a pessoa age obedecendo ao fluxo natural da Vida, a sua Vida tem a maior facilidade para se desenvolver. Nós precisamos efetuar o trabalho com naturalidade, sem considerá-lo como 'uma tábua estreita sobre um rio', mas sim como uma faixa traçada sobre a avenida, acreditando que não há perigo de cair. Não fracassamos porque acreditamos que o solo está nos sustentando. Esse solo que nos sustenta é Deus. Eu creio que quando a pessoa se dedica tranquilamente ao trabalho acreditando que não haverá fracasso porque a onipotência de Deus a guia e a sustenta, o trabalho dessa pessoa terá evolução maior do que quando se esforça reconhecendo a dificuldade como suposto inimigo".

(Do livro 'A Verdade da Vida', vol.5 -- págs 92 à 95)

sexta-feira, março 13, 2009

A linguagem da cura pelo espírito - parte 02 (fim)


Joel S. Goldsmith


A cura pelo espírito é algo maravilhoso, quando se nos torna tão natural como o nadar ou como o respirar. Se não for isto, pode ser mais fatigante que o mais duro trabalho diário. O curador espiritual, quando está alicerçado na Verdade divina, mantém-se livremente suspenso em Deus e permite que o espírito de Deus flua através dele. Deixa jorrar a Verdade, e a Verdade o libertará, seja a ele mesmo, seja o seu paciente. Isto é obra da Verdade, nunca do homem.

É esta a atitude realmente humilde, que repousa no espírito: “Eu, de mim mesmo, nada posso fazer” – mesmo que o tentasse. Flutuando livremente na atmosfera da Verdade, será a obra realizada pela Verdade... Ao nadares, deixa que as águas suspendam o teu corpo – ao curares, deixa que o espírito de Deus realize a cura. Não tentes influenciar a verdade com a tua mente. A Verdade é infinita – o teu intelecto é finito. Não procures modificar a verdade infinita até que caiba dentro do recipiente da tua mente finita.

A inteligência e o corpo nos foram dados como instrumentos a nosso serviço. Não somos daqueles que negam a existência do corpo ou tentam libertar-se dele – assim como não tentamos extinguir a mente ou excluí-la da nossa vida. O corpo nos foi dado para que pudéssemos entrar em contato com esse mundo material. O corpo, com seus órgãos e suas faculdades, é um instrumento a serviço do nosso Todo, admiravelmente sintonizado para esta tarefa. É um instrumento de Deus para manifestar a sua glória. O verdadeiro uso do corpo consiste em que o ponhamos a serviço de Deus e o deixemos guiar e controlar por Ele. E isto nos leva àquele estado de leveza em que “o império repousa sobre os ombros do Senhor”. Não há nenhum caminho capaz de promover, por meio de pensamentos ou preocupações, o processo da alimentação, digestão ou eliminação; a mente não nos foi dada para esse fim. A mente é um intermediário pelo qual percebemos a Verdade, e esta Verdade rege todo órgão e toda função do nosso corpo. A Verdade fortalece os nossos músculos. A Verdade nos dá a possibilidade de sabermos tudo que for necessário.

Toda e qualquer palavra da Verdade que o teu consciente receber se tornará uma parte integrante da tua mente e do teu corpo. Não és tu que dominas o teu corpo, não és tu que dás ordens à tua mente – mas e a atuação da Verdade em tua consciência, atuação essa que se serve naturalmente do teu intelecto, que o conserva puro e claro, ativo, vivo e harmonioso. E o intelecto, por sua vez, orienta o teu corpo, dá-lhe ordens e o domina. A atuação da Verdade funciona como estímulo que purifica tanto a mente como o corpo.

Há em ti um único centro, e neste centro se acha armazenado todo o teu patrimônio espiritual – imortalidade, eternidade, vida, amor, lar, infinita plenitude. Este centro não se encontra em teu corpo, e é tempo perdido procurá-lo ali. Esse centro é o teu consciente, e esse consciente não está no teu corpo; o teu corpo está nesse consciente, que é ilimitado. E é por isso que podes, após pesquisas e exercícios, fechar os olhos e saborear a paz e achar-te dentro ou fora do teu corpo, ou onde quiseres estar; então serás capaz de haurir, de dentro do ilimitado tesouro da consciência, tudo que houveres mister para a tua evolução, hoje, amanhã, até o fim do mundo e para além deles, através de toda a humanidade.

Muitos dos curadores metafísicos acham difícil a terapia de sofrimentos físicos por meios espirituais, porque lhes falta a compreensão da verdadeira natureza do corpo. Esta incompreensão nasce de uma idéia inexata da palavra “matéria”. Desde o início, andaram os adeptos de doutrina metafísica desorientados por esse conceito.

A maior parte dos que usam conscientemente o vocábulo “matéria” ignoram totalmente o seu verdadeiro sentido; ouviram que a matéria é irreal, uma simples ilusão dos sentidos, e que é inanimada; e, em se tratando da matéria do corpo, negam a realidade e a existência do corpo, procurando deste modo superá-lo e aboli-lo.

Como poderia a matéria ser irreal, se ela é indestrutível? A ciência provou que a matéria é uma substância indestrutível; ela pode, sim, mudar a sua forma e assumir outra, mas não pode ser aniquilada; ela pode ser dissolvida em moléculas ou átomos – e o que resta? Resta energia. A matéria não deixou de existir, em consequência desta redução ao seu constitutivo básico; mudou apenas de forma. Não há nenhuma possibilidade de aniquilar a matéria, porque ela é indestrutível.

Na realidade, a substância da matéria é espírito; matéria é espírito tornado visível; espírito tornado visível em forma de matéria. A água, por exemplo, pode transformar-se em vapor; mas este processo nada destrói, e seu peso é conservado em qualquer forma. Um copo de vidro pode ser reduzido a pó de vidro e desaparecer da vista, mas os seus componentes continuam indestrutíveis, e no laboratório se pode provar que continuam a existir e que têm o seu peso.

A mais antiga crença de que a matéria seja irreal e que os objetos que vemos, ouvimos, tangemos, cheiramos e saboreamos sejam ilusórios, é atribuída a Gautama Siddhartha, mais tarde chamado o Buda (Iluminado). Sobre esta base, realizavam, ele e seus discípulos, curas maravilhosas. Os seus discípulos posteriores, porém, descompreenderam a palavra “Maya” ou “ilusão”, e a interpretaram como algo alheio ao seu próprio Ser, como algo externo. Quando, no século passado, o mundo recebeu pela primeira vez a doutrina metafísica, afirmaram seus adeptos que os nossos sentidos estavam sujeitos à ilusão. Em vez de afirmarem esta doutrina, começaram os assim chamados metafísicos a ensinar, infelizmente, que tudo que há no mundo é ilusão, inclusive o corpo. Mas este mundo não é uma ilusão – ilusão é a idéia que nós formamos do mundo.

A cura espiritual baseia-se na afirmação de que pecado, doença e morte não têm realidades em si mesmos, mas que consistem somente na opinião ilusória da nossa parte. Entretanto, a matéria não é irreal, o nosso corpo não é irreal; este mundo não é irreal. Este mundo é belo, imortal, eterno. Este mundo não será jamais dissolvido em nada; mas os nossos conceitos sobre este mundo sofrerão modificação, bem como se modificará a idéia que temos do corpo. Todo adulto admitirá que ultrapassou a idéia do seu corpo de criança e aceitou a idéia de seu corpo adolescente; e ultrapassou também o conceito sobre este, quando se desenvolveu em homem maduro. Na medida que progredir no caminho da compreensão espiritual aceitará uma idéia espiritual do corpo, mas não possuirá um corpo mais espiritual do que esse que já possui agora.

Provavelmente, haverá quem zombe dos metafísicos e dos místicos por causa do uso de palavras como “real” e “irreal”, “realidade” e “irrealidade”. Os metafísicos são, muitas vezes, ridicularizados por causa de expressões como “isto é irreal”. Dois carros colidem na estrada, e se desfazem em fragmentos; aparece o metafísico e afirma: “Isto é irreal; nada aconteceu; pura ilusão”. Poderemos levar a mal o mundo quando se ri de semelhante linguagem? O mundo não compreende o sentido da palavra “irreal” – e o pior é que nem o próprio metafísico, que tais palavras emprega, sabe o que elas querem dizer.

Em nossos livros sobre auto-realização entendemos por “real” ou “realidade” somente aquilo que é espiritual, eterno, imortal, infinito, Real, realidade somente é aquilo que é Deus. E, neste sentido, é evidente que não podemos ver, ouvir, tanger, cheirar ou saborear a realidade.

Por outro lado, os termos “irreal”, “irrealidade” se referem a tudo que não é permanente, seja agradável ou desagradável à nossa percepção.

E, neste ponto particular, costuma o metafísico cometer o seu grande erro: quando vê uma pessoa sadia, ou alguém que considera como bom e moral, diz, geralmente, desta situação que ela é real; mas, se encontra um doente ou um pecador, diz que isto é irreal. Entretanto, essa interpretação é inaceitável à luz da compreensão filosófica. Real é somente aquilo que é do Espírito, de Deus, da alma. Só a alma é capaz de perceber o real. O que não é perceptível pela faculdade interna da alma não é real. A isto se refere Jesus quando diz: “Vós tendes olhos, e não vedes; tende ouvidos e não ouvis”.

Quando falamos de pecado e doença como sendo irreais, não queremos negar a sua existência objetiva. Enganamos a nós mesmos quando afirmamos que essas coisas não existem. Mas como, desde a nossa infância, nos foi impingido que o mundo material é real e que nosso corpo material é real, para nós também existem as doenças. Quando afirmamos que doença, pecado e morte são irreais não queremos com isto afirmar que estas coisas não existem; negamos apenas a sua existência como parte integrante de Deus e como pertencentes à Realidade divina.

No âmbito do real, no reino de Deus, as desarmonias que os sentidos percebem não têm existência, realidade. Mas isto não elimina o fato de que temos de sofrer sob o impacto dessas desarmonias; a sua realidade e inexistência, da parte da realidade divina, não diminui nem elimina as nossas dores, as nossas necessidades, as nossas deficiências, porque, em virtude da nossa percepção sensorial, sofremos com esses fenômenos.

No princípio do toda a sabedoria está o conhecimento de que estas coisas não necessitam de existir. A libertação destas desarmonias não é alcançada pelo fato de recorrermos a Deus por socorro, mas sim pelo fato de descobrirmos o Deus verdadeiro, de subirmos até aquelas alturas da vida onde há somente Deus: Não há tal coisa como libertação de desarmonias, libertação de pecados, libertação de desejos impuros; não há libertação de pobreza – há somente liberdade, a liberdade em Deus, a liberdade no Espírito, o Deus-Liberdade.

Quem descobre o Deus-Liberdade não necessita de libertar-se de coisa alguma, porque na Liberdade não há escravidão.

Se te encheres plenamente com o Espírito, verás que a Lei espiritual te encherá com todas as coisas de que necessitas. E assim se realiza também a cura do corpo; não porque Deus pense em palavras ou conceitos de um corpo doente – nem sequer de um corpo fisicamente sadio – mas porque tu, superando o conceito material pela realização do espiritual, a tua consciência se transformou e realizou harmonia, em uma linguagem e em uma forma que te são compreensíveis.

Não usemos jamais de expressões como estas: “É irreal – não é verdade – não aconteceu”, antes de compreendermos que aquilo de que falamos só é irreal, não-verdadeiro, inexistente na zona do Reino Espiritual. Somente à luz desta compreensão, podemos afirmar que doença, pecado, pobreza, deficiência, são irreais e não participam da verdadeira Realidade.

O divino Mestre via a irrealidade do poder, do poder maligno, quando respondeu à ameaça de Pilatos “Não sabes que eu tenho o poder de crucificar-te, e o poder de soltar-te?”, com as palavras “Não terias poder algum se não te fora dado do alto”. Jesus admitia o poder temporal de Pilatos; mas, em virtude da sua consciência crística, que vivia na Realidade, sabia também que nenhum poder temporal tinha poder sobre a sua consciência espiritual. Do mesmo modo curou a orelha do soldado decepada por Pedro, e não opôs resistência à violência física; também na cruz proferiu as palavras “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Ele enxergava para além desses atos humanos e sabia que não eram reais, isto é, que não participavam da Realidade permanente, eterna, imutável, imortal. Foi também em virtude dessa faculdade de discriminação espiritual que ele foi capaz de sair vivo do sepulcro. À luz da sua consciência espiritual, não havia poder algum na crucificação.

Esta mesma consciência espiritual, iluminada – essa mesma consciência crística – está presente, aqui e agora, através dos séculos e milênios. E é esta mesma consciência crística que dá aos curadores espirituais dos nossos dias a possibilidade de curar doentes e libertar os pecadores; é a convicção de que as formas do mal são irreais, não-participantes da harmonia do reino de Deus, e que essas formas do mal são inconsistentes em face da permanente realidade de Deus. Homem! Cultua a Deus, na firme convicção de que o Reino Espiritual é íntegro e invulnerável, e que nenhuma doença, nenhum pecado, nenhuma pobreza, nenhuma deficiência faz parte do Reino de Deus; que em nada há substância permanente, que em nenhum desses males reside uma lei, uma legalidade real e duradoura.

Depois de firmarmos esta convicção em nosso interior, passemos a considerar mais algumas expressões usadas no ministério da terapia espiritual.

Por via de regra, não falamos de uma enfermidade como sendo doença, mas sim um aspecto, uma aparência. Assim, por exemplo, designamos a tuberculose, o câncer, a paralisia, como aspectos ou fenômenos. Perguntará o leitor se faz alguma diferença usar esta ou aquela palavra. Faz, sim, uma vez que a terapia espiritual representa a atuação da consciência, e enquanto as sutis particularidades do processo curativo não estiverem claramente apreendidas, não pode a verdade exercer a sua atuação nos consciente do curador, realizando a cura.

Tomemos um exemplo. Alguém viaja pelo deserto. De repente, como acontece não raro, vê o caminho todo coberto de água. Automaticamente pára o carro; pois não pode atravessar um lago de automóvel. Provavelmente, o primeiro pensamento será este: “E agora, o que devo fazer? Como atravessar a água? Como remover da estrada essa água?”

O viajante olha em derredor, mas não há possibilidade de socorro. Olha novamente para a estrada, mais atentamente – e verifica que não existe nenhuma água. O que ele vira era uma dessas miragens do deserto, uma fantástica fada-morgana, reflexo aéreo de algum lago longínquo. Sorrindo da sua ilusão, põe em movimento o carro e prossegue viagem. Enquanto o homem via água no caminho, esperava inutilmente que a água fosse removida; mas, no momento em que reconhece que o fenômeno não passa de uma simples ilusão, nada mais o impede de prosseguir.

É exatamente isto que se dá no campo da cura espiritual. Enquanto nos ocupamos com câncer, tuberculose, paralisia, tumor, resfriado, gripe, etc., estamos em um beco sem saída. Que fazer contra esses males? Como libertar-nos deles? Será que temos o poder de os eliminar? Ou haverá algum Deus que os possa remover? Milhares de orações sobem a Deus, pedindo-lhe que cure os nossos males, que modifique as circunstâncias ingratas – mas é inútil... Deste modo nada acontecerá...

Mas, então, o que fazer?

Enquanto a doença permanecer em nossa consciência como doença, nada poderá ser feito contra ela. Mas, se uma consciência mais iluminada nos fizer ver que não se trata de uma doença, mas sim de uma ilusão ou miragem criada por nós, então foi dado o primeiro passo para a cura. Na realidade, é fácil o processo curativo, seja qual for a doença, contanto que o mal, a doença ou pecado seja reconhecido na reconhecido na consciência como inexistente no plano da realidade divina, mas apenas existente no plano do nosso ego humano.

Enquanto uma doença for realidade para ti, enquanto creres que a febre tem de seguir o seu curso, enquanto tentas reduzi-la com certos expedientes, enquanto tentas reprimir um tumor, enquanto acreditas que uma doença deva necessariamente percorrer este ou aquele processo – estás fora da terapia espiritual, embora a tua mente esteja desempenhando o seu papel.

Cura espiritual total consiste em não reconhecer a realidade de uma situação negativa. Eu, tu, ou outro homem qualquer que queira curar pelo espírito, deve crear em si um estado de consciência em que Deus e as obras de Deus – o Verbo de Deus, o Universo de Deus, o Homem de Deus – sejam tão intensamente reais que nenhum contrário, nenhum negativo, nenhum mal, nenhuma doença, possam coexistir com esse Deus do Universo ou esse Universo de Deus. Porque Deus é tudo.

A eficiência do processo curativo baseia-se, sobretudo, na realidade de Deus e na realidade da sua creação – quer ela se manifeste como homem, como corpo ou como Universo: e, em segundo lugar, se baseia no reconhecimento da não-realidade de tudo aquilo que nos aparece em forma de doentes ou pecadores, de enfermidades ou de circunstâncias indesejáveis.

Importa que compreendamos o sentido correto das expressões “real” e “irreal” – a sua significação em sentido espiritual. Com outras palavras: tudo o que podemos perceber com os sentidos físicos não passa de uma ilusória miragem no deserto, porque a mente, servindo-se desse material dos sentidos, o interpreta erradamente. Discernindo essa miragem a doença sede lugar a saúde. Mais ainda: quando o homem começa a compreender espiritualmente todas as coisas que o cercam – flores, nuvens, estrelas, o nascer e o pôr-do-sol – tudo começa a aparecer de modo diferente, ultrapassando a capacidade da mente humana. Para além do invólucro visível destas coisas se revela algo mais, algo que nem os sentidos percebem nem a mente concebe. Quando percebemos as coisas pelo poder espiritual, descobrimos o homem verdadeiro, assim como Deus o creou, segundo a sua imagem e semelhança – e é precisamente esta faculdade, de conhecer a realidade, que realiza a cura pelo espírito.