"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

quinta-feira, outubro 01, 2009

O Estado livre de desejos: a mais elevada bênção

Nisargadatta Maharaj



Pergunta: Encontrei-me com muitas pessoas realizadas, mas nunca com um homem liberado. Você já conheceu algum homem liberado, ou a liberação significa, entre outras coisas, abandonar também o corpo?

Maharaj: O que você quer dizer por realização e liberação?

P: Por realização quero dizer uma experiência maravilhosa de paz, bondade e beleza, quando o mundo tem sentido, e há uma total unidade de substância e essência. Apesar de tal experiência não durar, não pode ser esquecida. Brilha na mente como recordação e desejo. Sei do que estou falando porque tenho tido tais experiências.

Por liberação quero dizer estar permanentemente nesse maravilhoso estado. O que pergunto é se a liberação é compatível com a sobrevivência do corpo.


M: Que está errado com o corpo?

P: O corpo é muito débil e de breve duração. Cria necessidades e desejos. Limita-nos dolorosamente.

M: E daí? Deixe que as expressões físicas sejam limitadas. Mas a liberação é liberação do ser de suas idéias falsas e auto-impostas; não está contida em nenhuma experiência particular, por mais gloriosa que seja.

P: Dura para sempre?

M: Toda experiência é limitada no tempo. Tudo o que teve princípio deverá ter fim.

P: De modo que a liberação, em meu sentido da palavra, não existe?

M: Pelo contrário, sempre se é livre. Você é consciente e livre para ser consciente. Ninguém pode tirar isto de você. Você já se conheceu alguma vez estando inconsciente ou sem existência?

P: Eu posso não lembrar, mas isto não prova que ocasionalmente não esteja inconsciente.

M: Por que não passar da experiência para o experimentador e compreender todo o alcance da única afirmação verdadeira que pode fazer: “Eu sou”?

P: Como isto é feito?

M: Aqui não há “como”. Só conserve na mente o sentimento “eu sou”, fundindo-se nele até que sua mente e seu sentimento se tornem um. Por tentativas repetidas, você topará com o equilíbrio adequado de atenção e afeto, e sua mente estará firmemente estabelecida no pensamento-sentimento “eu sou”. Não importa o que você pense, diga ou faça, este sentido de ser imutável e afetuoso permanecerá como o sempre presente fundamento da mente.

P: E você o chama liberação?

M: Chamo-o o normal. Que há de mal em ser, conhecer e atuar sem esforço e com muita alegria? Por que considerá-lo inusual a ponto de esperar a destruição imediata do corpo? Que está errado com o corpo para que tenha que morrer? Corrija sua atitude em relação ao corpo e não o incomode. Não o mime, não o torture. Simplesmente deixe-o ir, muitas das vezes abaixo do limiar da atenção consciente.

P: A recordação de minhas experiências maravilhosas me persegue. Quero-as de volta.

M: Porque as quer de volta, não pode tê-las. O estado de ansiedade por qualquer coisa bloqueia toda experiência profunda. Nada de valor pode ocorrer a uma mente que sabe exatamente o que quer, porque nada que a mente possa visualizar e querer será de muito valor.

P: Então, o que vale a pena querer?

M: Queira o melhor. A mais alta felicidade, a maior liberdade. A ausência de desejos é a mais elevada bem-aventurança.

P: Estar livre de desejos não é a liberdade que eu quero. Eu quero a liberdade de satisfazer meus desejos.

M: Você é livre para satisfazer seus desejos. De fato, não está fazendo outra coisa.

P: Eu tento, mas existem obstáculos que me deixam frustrado.

M: Supere-os.

P: Não posso, sou demasiado fraco.

M: O que o faz fraco? Que é esta fraqueza? Outros satisfazem seus desejos, por que você não?

P: Talvez me falte energia.

M: O que aconteceu a sua energia? Para onde foi? Não a dispersou em muitos desejos e ocupações contraditórios? Você não tem uma provisão infinita de energia.

P: Por que não?

M: Os seus objetivos são pequenos e baixos. Não pedem por mais. Apenas a energia de Deus é infinita porque Ele não quer nada para si mesmo. Seja como Ele e todos os seus desejos se realizarão. Quanto mais elevados forem seus objetivos e mais amplos seus desejos, mais energia terá para sua satisfação. Deseje o bem de todos e o universo trabalhará com você. Mas, se quiser seu próprio prazer, terá que ganhá-lo duramente. Antes de desejar, mereça.

P: Eu me dedico ao estudo da filosofia, da sociologia e da educação. Creio que necessito mais desenvolvimento mental antes de poder sonhar com a auto-realização. Estou no caminho correto?

M: Para ganhar a vida é necessário algum conhecimento especializado. O conhecimento geral desenvolve a mente, não há dúvida. Mas, se vai passar toda a vida juntando conhecimento, você construirá um muro ao redor de si mesmo. Para ir além da mente, não será necessária uma mente bem preparada.

P: Então, o que será necessário?

M: Desconfiar de sua mente, e ir além.

P: O que encontrarei além da mente?

M: A experiência direta de ser, conhecer e amar.

P: Como se vai além da mente?

M: Há muitos pontos de partida, todos levam à mesma meta. Pode começar com um trabalho desinteressado, abandonado o fruto da ação; então poderá então deixar de pensar e terminar abandonando todos os desejos. Abandonar (tyaga), neste caso, é o fator operativo. Ou você pode não se preocupar com nada do que queira ou pense, ou faça, permanecendo apenas no pensamento e sentimento “eu sou”, enfocando o “eu sou” firmemente em sua mente. Todo tipo de experiências pode ocorrer então; permaneça inabalável, com o conhecimento de que tudo o que pode ser percebido é transitório, e que só o “eu sou” dura.

P: Eu não posso dedicar toda a minha vida a tais práticas. Tenho que atender as minhas obrigações.

M: Não deixe de atender as suas obrigações! A ação na qual não esteja emocionalmente implicado e que seja benéfica, e não cause sofrimento, não o limitará. Você pode ocupar-se em várias direções e trabalhar com enorme empenho, e permanecer interiormente livre e sereno, com a mente como um espelho que a tudo reflete sem ser afetada.

P: Tal estado é realizável?

M: Não falaria dele se assim não fosse. Por que haveria de ocupar-me com fantasias?

P: Todos citam as escrituras.

M: Aqueles que conhecem apenas as escrituras não conhecem nada. Conhecer é ser. Eu sei do que falo não por ter lido ou por ter ouvido.

P: Estou estudando sânscrito com um professor, mas realmente só estou lendo as escrituras. Eu busco a auto-realização, e vim obter a orientação necessária. Por favor, diga-me o que deverei fazer.

M: Já que leu as escrituras, por que pergunta?

P: As escrituras mostram as linhas gerais, mas o indivíduo necessita de instruções pessoais.

M: Seu próprio ser é seu ultimo mestre (sadguru). O mestre externo (Guru) é meramente um sinal no caminho. Só seu mestre interno caminhará com você até a meta, pois ele é a meta.

P: O mestre interior não é encontrado facilmente.

M: Já que está em você e com você, a dificuldade não pode ser séria. Olhe para dentro e o encontrará.

P: Quando olho para dentro, encontro sensações e percepções, pensamentos e sentimentos, desejos e medos, lembranças e expectativas. Estou imerso nesta nuvem e não vejo nada.

M: Este que vê tudo isto, e o nada também, é o mestre interior. Só ele é, todo o restante parece ser. Ele é seu próprio ser (swarupa), sua esperança e segurança de liberdade; encontre-o e una-se a ele, e estará a salvo e seguro.

P: Acredito, mas quando procuro este ser interior, vejo que me escapa.

M: A idéia “me escapa”, onde surge?

P: Na mente.

M: E quem conhece a mente?

P: A testemunha da mente conhece a mente.

M: Veio alguém para dizer-lhe: “Eu sou a testemunha da mente”?

P: Claro que não. Seria apenas outra idéia na mente.

M: Então, quem é a testemunha?

P: Eu sou.

M: De modo que conhece a testemunha porque você é a testemunha. Não necessita ver a testemunha em sua frente. Aqui, de novo, ser é conhecer.

P: Sim, vejo que eu sou a testemunha, a própria Consciência. Mas, em que isso me beneficia?

M: Que pergunta! Que tipo de benefício você espera? Não é suficiente conhecer o que se é?

P: Qual a utilidade do autoconhecimento?

M: Ajuda-o a entender o que você não é e o libera de idéias, ações e desejos falsos.

P: Se apenas fosse a testemunha, que importaria o correto e o incorreto?

M: O que ajuda a conhecer a si mesmo é correto; o que o impede, é incorreto. Conhecer o ser real de si mesmo é uma bem-aventurança, esquecê-lo é dor.

P: É a consciência da testemunha o verdadeiro Ser?

M: É o reflexo do real na mente (buddhi). O real está além. A testemunha é a porta pela qual você vai além.

P: Qual o propósito da meditação?

M: Ver o falso como falso é meditação. Isto deve continuar todo o tempo.

P: Disseram-nos para que meditemos regularmente.

M: O exercício diário deliberado de discriminar entre o verdadeiro e o falso, e a renúncia do falso, é meditação. Há muitos tipos de meditação para começar, mas, finalmente, todos se fundem em um.

P: Diga-me, por favor, qual é o caminho mais curto para a auto-realização?

M: Nenhum caminho é curto ou longo, mas algumas pessoas são mais sérias que outras. Posso contar-lhe de mim mesmo. Eu era um homem simples, mas confiei no meu Guru. O que ele me disse para fazer, eu fiz. Disse-me que me concentrasse no “eu sou”, e o fiz. Disse-me que estou além de tudo o que se pode perceber ou conceber-se, e eu acreditei nele. Dei-lhe meu coração e minha alma, toda minha atenção e todo o meu tempo disponível (tinha que trabalhar para manter minha família). Como resultado da fé e da dedicação sincera, realizei meu ser (swarupa) em três anos. Você pode escolher o caminho que lhe convenha; sua seriedade determinará o grau de progresso.

P: Nenhuma sugestão para mim?

M: Estabeleça-se firmemente na Consciência de “eu sou”. Este é o princípio e também o fim de todo esforço.



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