"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

sexta-feira, maio 08, 2015

O homem do Tao - 2/2




*Obs: Acesse a 1ª parte do texto clicando aqui.


Agora vamos voltar para este sutra de Chuang Tzu:

"O homem do Tao age sem impedimentos,
Não prejudica nenhum outro ser com suas ações,
No entanto, ele não se reconhece como gentil e bondoso."

O homem do Tao age sem impedimento... 

Você sempre age com impedimentos, o oposto está sempre ali criando o impedimento; você não é um fluxo.

Se você ama, o ódio está sempre ali como um impedimento. Se você se movimenta, alguma coisa está puxando você para trás, você nunca se move totalmente, alguma coisa sempre fica para trás, o movimento não é total. Você se move com uma perna, mas a outra perna não está se movendo. Como você pode se mover? O impedimento está lá.

E esse impedimento, esse movimento contínuo de apenas metade de você e o não-movimento da outra metade, é a sua angústia. Por que você sente tanta angústia? O que cria tanta ansiedade em você? Seja o que for que você faça, porque a felicidade não acontece para você? A felicidade somente pode acontecer para o todo, nunca para a parte.

Quando o todo se move sem qualquer impedimento, o próprio movimento é felicidade. A felicidade não é algo que vem de fora, é o sentimento que vem quando todo o seu ser se move, o próprio movimento do todo é felicidade. Não é algo acontecendo a você, é algo que surge de dentro de você, é uma harmonia no seu Ser.

Se você está dividido - e você está sempre dividido: metade se movendo, metade se contendo; metade dizendo sim, metade dizendo não; metade amando, metade odiando, você é um reino dividido - há um constante conflito em você. Você diz alguma coisa mas aquilo nunca é o que você quer dizer, porque o oposto está ali impedindo, criando um obstáculo.

Você já ouviu a estória da centopeia? A centopeia estava caminhando - uma centopeia tem cem pernas - é por isso que se chama centopeia. É um milagre andar com uma centena de pernas. Controlar duas já é tão difícil... Controlar cem pernas é realmente impossível, quase impossível, mas a centopeia consegue.

Uma raposa ficou curiosa - e as raposas são curiosas. No folclore a raposa é o símbolo da mente, do intelecto, da lógica. As raposas são seres muito lógicos. A raposa olhou, observou, analisou, ela não podia acreditar ao ver como a centopeia era capaz de andar com tantas pernas. Ela disse: "Espere, só uma pergunta! Como você consegue? Como você não se confunde e sabe qual pé pôr atrás de qual? Cem pernas! Como acontece essa harmonia, como você consegue andar tão bem?"

A centopeia disse: "Eu consigo andar, mas nunca pensei nisso. Dê-me algum tempo para pensar como eu faço".

Então ela fechou os olhos. Pela primeira vez ficou dividida: a mente como observadora e ela mesma como a coisa observada. Pela primeira vez a centopeia tornou-se duas. Ela costumava viver e andar, e sua vida era um todo; não havia um observador olhando para ela, ela nunca fora dividida. Ela era um ser integrado. Pela primeira vez surgiu a divisão. Ela estava olhando para si própria, pensando. Ela tinha se tornado o sujeito e o objeto, tinha se tornado duas, e então começou a andar. Foi difícil, quase impossível. Ela caiu - como pode você controlar cem pernas?

A raposa riu e disse: "Eu sabia que devia ser difícil, sempre soube."

A centopeia começou a chorar, as lágrimas inundaram os seus olhos. Ela disse: "Nunca foi difícil, mas você criou o problema. Agora eu nunca mais vou conseguir andar."

A mente tinha entrado em cena, ela entra em cena quando você está dividido. É por isso que Krishnamurti continua dizendo que, quando o observador se torna o observado, você está em meditação.

O oposto aconteceu com a centopeia. O todo se perdeu, se transformou em dois: o observador e o observado, divididos. o sujeito e o objeto; o pensador e o pensamento. Então tudo ficou perturbado, perdeu-se a felicidade, o fluxo de harmonia foi interrompido. E foi assim que ela ficou paralisada.

Sempre que a mente entra em cena, ela vem como uma força controladora, um gerente. Ela não é o mestre, ela é o gerente. E você não chega ao o mestre enquanto o gerente não for posto de lado. O gerente não vai permitir que você alcance o mestre, o gerente vai estar em pé diante da porta, controlando. E todos os gerentes administram mal - a mente tem feito um ótimo trabalho de má administração.

Pobre centopeia, ela sempre fora feliz. Não tinha problema nenhum. Vivia, cantava, amava, tudo, sem problema nenhum, porque não havia mente. Com a mente veio o problema - com a pergunta, com a indagação. E existem muitas raposas ao seu redor. Cuidado com elas: filósofos, teólogos, professores, todos eles são raposas. Eles levantam perguntas e criam perturbação.

Lao Tzu, o mestre de Chuang Tzu, disse: "Quando não existia nem um único filósofo, tudo estava resolvido, não haviam perguntas e as respostas estavam todas à disposição. Quando surgiram os filósofos, surgiram as perguntas e as respostas desapareceram." Sempre que existe uma pergunta, a resposta está muito longe. Sempre que você pergunta, nunca obtém a resposta, mas se você para de perguntar, você verá que a resposta sempre esteve ali.

Não sei o que aconteceu com essa centopeia. Se ela era tão tola quanto os seres humanos, está em algum hospital, aleijada, paralítica para sempre. Mas eu não acho que as centopeias sejam tão tolas. Ela deve ter deixado a questão de lado. Deve ter dito à raposa: "Guarde suas perguntas para si mesma, e me deixe andar em paz." Ela deve ter descoberto que essa divisão não lhe permitiria viver, porque a divisão causa morte. Indiviso, você é vida; dividido, você é morte. Quanto mais dividido, mais morto.

O que é felicidade? Felicidade é a sensação que surge em você quando o observador se torna o observado. Felicidade é a sensação que surge em você quando você está em harmonia, não fragmentado; quando você é um, não está desintegrado, é indiviso, uno. O sentimento não é algo que vem de fora. É a melodia que brota da sua harmonia interior.

Dia Chuang Tzu: "O homem do Tao age sem impedimento..."

Pois ele não está dividido, então quem vai impedir? O que existe para servir de impedimento? Ele está sozinho, ele se move com o todo. Esse movimento na totalidade é a maior beleza que pode acontecer, isso é possível. Às vezes você tem vislumbres disso. Às vezes, quando de repente você está inteiro, quando a mente não está funcionando, isso acontece.

O sol está nascendo... de repente você olha e o observador não está lá. O sol não está ali e você também não está ali. Não há nenhum observador e nenhum observado. Simplesmente o sol está nascendo e a sua mente não está presente para gerenciar. Você não vê o sol e diz: "o sol está lindo". No momento que você disser, a felicidade foi perdida. Então já não existe nenhuma felicidade, ela já se tornou passado, ela já se foi.

De repente você vê o sol nascendo e aquele que vê não está ali, aquele que vê ainda não entrou, ainda não se tornou um pensamento. Você ainda não olhou, não analisou, ainda não observou. O sol está nascendo e  não há ninguém ali, o barco está vazio, existe felicidade, um vislumbre. Mas a mente imediatamente entra e diz "o sol está lindo, esse nascer do sol está lindo". A comparação entra em cena e a beleza se vai.

Aqueles que sabem, dizem que sempre que você diz: "eu te amo" para uma pessoa, o amor foi perdido. O amor se foi porque o amante entrou. Como pode existir amor quando a divisão, o controlador entra? É a mente que diz: "eu te amo", porque, na verdade, no amor não existe nenhum eu e nenhum tu. No amor não existem indivíduos. O amor é uma fusão, uma dissolução, eles não são dois.

O amor existe, não os amantes. No amor, o amor existe, não os amantes, mas a mente entra e diz: "eu estou amando, eu te amo". Quando o "eu" entra, a dúvida entra, a divisão entra e o amor não está mais ali.

Você muitas vezes verá esses vislumbres em meditação. Lembre-se: sempre que você sentir tais vislumbres, não diga: "quão belo é", não diga "quão amoroso é", porque é assim que você perde o vislumbre. Sempre que o vislumbre vier, deixe que ele esteja ali. Não faça o que fez a centopeia, não levante nenhuma questão, não faça nenhuma observação, não analise, não permita que a mente interfira. Ande com uma centena de pernas, mas não pense em como você está andando.

Quando em meditação você tiver um vislumbre de algum êxtase, deixe que ele aconteça, deixe-o ir fundo. Não divida a si mesmo. Não faça qualquer declaração, caso contrário o contato será perdido.

A vezes você tem lampejos, mas já se tornou tão eficiente em perder contato com esses vislumbres que não consegue entender como eles surgem e como você, mais uma vez, os perde. Eles surgem quando você não está presente, você os perde quando você volta. Quando você está presente, eles não estão. Quando o barco está vazio, a felicidade está sempre acontecendo. Não é um acidente, é a própria natureza da existência. Não depende de nada – ela se derrama sobre você, é o próprio sopro da vida.

É realmente um milagre que você tenha conseguido ser tão infeliz, tão sedento, se chove o tempo todo. Você tem mesmo feito o impossível! Em todos os lugares é luz e você vive na escuridão. A morte não está em lugar nenhum e você está constantemente morrendo; a vida é uma bênção e você está no inferno.

Como você conseguiu? Através da divisão, através do pensamento - o pensamento depende da divisão, da análise. Meditação é quando não há nenhuma análise, nenhuma divisão, quando tudo se tornou sintetizado, quando tudo se tornou um.

Diz Chuang Tzu:

O homem do Tao
Age sem impedimento,
Não prejudica nenhum outro ser
Com suas ações...

Como ele pode prejudicar? Você só pode prejudicar os outros quando já prejudicou a si mesmo. Lembre-se disso, esse é o segredo. Se você prejudicar a si mesmo, prejudicará os outros. E prejudicará mesmo quando achar que está fazendo bem aos outro. Nada poderá acontecer através de você a não ser o prejuízo, porque quem vive com feridas, quem vive na angústia e na miséria, seja o que for que faça, só criará mais miséria e mais angústia para os outros. Você só pode dar aquilo que tem.

Você sempre dá, na verdade, o seu ser. Se você está morto por dentro, não pode ajudar a vida; aonde quer que você vá, você vai matar. Conscientemente, inconscientemente, não é essa a questão – você pode pensar que está ajudando os outros a viver, mas ainda assim você vai matar.

Perguntaram uma vez ao grande psicanalista Wilhelm Reich – pois ele estava estudando crianças, o problema delas: “Qual é o problema mais básico com relação às crianças? O que o senhor encontrou na raiz de toda a infelicidade delas, seus problemas, anomalias?”

Ele disse: “As mães.”

Nenhuma mãe vai concordar com isso, porque toda mãe está apenas ajudando seu filho, sem nenhum egoísmo da parte dela. Ela vive e morre pelo filho. E mesmo assim os psicanalistas dizem que as mães são o problema. Sem saber que estão matando, mutilando, conscientemente elas pensam que estão amando.

Se está aleijado por dentro, você vai prejudicar seus filhos. Você não pode fazer nada mais do que isso, você não pode evitar, porque você dá o que há em seu ser – não existe outra maneira de dar.

Chuang Tzu diz: O homem do Tao... não prejudica nenhum outro ser com suas ações. Não que ele cultive a não violência, não que ele cultive a compaixão, não que ele viva uma vida correta, não que ele se comporte de maneira santificada – não. Ele não pode prejudicar porque parou de agredir a si mesmo. Ele não tem feridas. Ele está tão feliz que das suas ações ou inações só flui a bem-aventurança. Mesmo que possa parecer às vezes que ele está fazendo algo errado, ele não pode fazer nada errado.

Acontece exatamente o oposto com você. Às vezes parece que você está fazendo algo de bom – mas você não pode fazer nada de bom. O homem do Tao não pode fazer mal, é impossível. Não há maneira de ele fazer isso, é inconcebível – porque ele não tem divisões, fragmentos. Ele não é uma multidão, ele não é polipsíquico. Ele é um universo agora e nada além de uma melodia está acontecendo dentro dele. Só essa música continua se irradiando.

O homem do Tao não é de muita ação – ele não é um homem de ação, o mínimo de ação acontece por meio dele. Ele é. Na verdade, um homem de inação, não está muito ocupado com nenhuma atividade.

Mas você está ocupado com muitas atividades apenas para fugir de si mesmo. Você não consegue tolerar a si mesmo, não consegue tolerar a sua própria companhia. Você vive à procura de alguém como um modo de fugir, vive à procura de alguma ocupação com a qual possa se esquecer de si mesmo, com a qual possa se envolver. Você está entediado com você mesmo.

Um homem do Tao, um homem que atingiu a natureza interior, um homem que é realmente religioso, não é um homem de muita atividade. Somente o necessário irá acontecer. O desnecessário é completamente descartado, porque ele consegue ficar à vontade sem nenhuma atividade, ele consegue ficar em casa sem fazer nada, consegue relaxar, consegue fazer companhia a si mesmo, consegue ficar com seu eu.

Dizem de Chuang Tzu que, se ele podia ficar de pé, não queria andar; se ele pudesse sentar, ele não ficava de pé; se ele pudesse dormir, ele não sentava. Apenas o essencial, o mais essencial, ele faria, porque não há nenhuma loucura nisso.

Você não consegue ficar consigo mesmo, daí a necessidade constante de buscar companhia. De ir a um clube, a uma reunião, a uma festa, a um comício, estar com uma multidão, onde você não esteja sozinho. Você tem tanto medo de si mesmo que se ficar sozinho ficará louco. Esse mundo, o mundo dos negócios, da atividade e da ocupação, salva você do hospício. Se você está ocupado, a energia se move para fora, então você não precisa se preocupar com o interior, o mundo interior; você pode esquecê-lo.

Você não consegue descartar o não essencial. Na verdade, o não essencial não é suficiente, e a mente sempre anseia pelo não essencial, porque o essencial é tão pouco, tão pequeno, pode ser satisfeito facilmente. Então o que você vai fazer?

O mundo inteiro está em busca do não essencial. Se você olhar para a indústria, vai ver que noventa por cento delas estão envolvidas com o não essencial. Cinquenta por cento do trabalho humano é desperdiçado no que não é útil de maneira alguma. Em vez disso, cinquenta por cento da indústria dedica-se à mente feminina, ao corpo feminino: criando roupas novas a cada três meses, sabonetes, cremes; cinquenta por cento da indústria é dedicada a tal absurdo. E a humanidade está morrendo de fome, as pessoas estão morrendo sem comida, e metade da humanidade está interessada em algo absolutamente não essencial.

Ir à Lua é algo absolutamente não essencial. Se fôssemos um pouco mais sábios não pensaríamos nisso. É absolutamente insensato desperdiçar tanto dinheiro quando poderíamos alimentar a Terra toda. As guerras são não essenciais, mas a humanidade é louca, e ela precisa mais de guerras do que de alimento. Precisa mais ir à Lua do que de comida, do que do essencial, porque o essencial não é suficiente.

O não essencial é necessário para que a sua loucura permaneça ocupada. Então as Luas não são suficientes, teremos que ir mais longe, teremos que continuar criando o inútil. Ele é necessário. Ficar ocupado é necessário.

Você faz o que não é essencial, você continua fazendo o que não é essencial. Olhe para as suas atividades: noventa e nove por cento são não essenciais. Você pode deixa-las de lado, você pode poupar muita energia, pode economizar muito tempo. Mas você não consegue deixa-las porque tem medo, tem pavor de si mesmo. Se não houver rádio, televisão, jornal, ninguém para conversar, o que você vai fazer?

Um homem do Tao, aonde quer que esteja, está em paz, à vontade. Suas ações são as mais essenciais – aquelas que não podem ser evitadas. E se você puder fazer o essencial por ele, ele ficará feliz.  Ele está tão feliz consigo mesmo que não há necessidade de empreender ações. Sua atividade é como a inatividade; ele faz sem que haja alguém fazendo. Ele é um barco vazio, navegando no mar, indo a lugar nenhum.

No entanto, ele não se reconhece como “gentil” e “bondoso”...

Deixe que este trecho penetre profundamente em seu coração. “No entanto, ele não se reconhece como gentil e bondoso...” – porque, se você sabe, você perdeu o mais importante. Se você sabe que é um homem simples, você não é. Esse conhecimento torna isso complexo. Se você sabe que é um homem de religião, você não é, porque essa mente astuta, que sabe, ainda está presente.

Se você é gentil, e não sabe disso; se você é simples, e não está ciente disso, isso se tornou a sua natureza. Se algo é realmente natural, você não está ciente disso. Veja – alguém se torna rico, um novo rico, então ele está ciente de sua casa, piscina, das suas riquezas, e você pode ver que ele não é um aristocrata, porque ele está ostentando muito.

Um homem que acabara de enriquecer encomendou três piscinas para seu jardim. Elas foram feitas e ele as mostrou a um amigo. O amigo ficou um pouco confuso, e disse: “Três piscinas? Para quê? Uma bastaria.”

O dono das piscinas disse: “Não, como uma bastaria? Uma é para banhos quentes, uma para banhos frios”.

O homem perguntou: “E a terceira?”.

Ele disse: “É para quem não sabe nadar. A terceira vai ficar vazia.”.

É possível perceber se um homem é um novo rico – ele mostrará isso. O aristocrata de verdade é aquele que se esqueceu de que é rico. O homem do Tao é o aristocrata do mundo interior.  Ele está tão sintonizado com esse mundo interior que não há exposição – não só para você; ele próprio não está consciente disso. Ele não sabe que é sábio, não sabe que é inocente – como você pode saber se é inocente? Seu conhecimento vai perturbar a inocência. Um aristocrata de verdade está sempre sintonizado. Um Henry Ford não tem necessidade de ficar num hotel caro para sentir que ele é Henry Ford; mesmo no hotel mais barato ele é Henry Ford, não faz diferença. Ele não precisa ostentar roupas novas/caras. Seja for o que ele vista, mesmo que esteja nu, ele é Henry Ford. Não faz diferença nenhuma.

Uma coisa tem de ser lembrada aqui: por isso o autoconhecimento é impossível. Você não pode conhecer a si mesmo, porque seja o que for que você saiba, isso não é o eu, é outra coisa, algo separado de você. O eu é sempre o conhecedor, nunca o conhecido; assim, como você pode conhecê-lo? Você não pode reduzi-lo a um objeto.

Eu posso ver você. Como posso me ver? Então, quem será o que vê e quem será visto? Não, o eu não pode ser conhecido da mesma maneira que outras coisas são conhecidas.

O autoconhecimento não é possível, no sentido comum, porque o conhecedor sempre transcende, sempre vai além. Seja o que for que ele saiba, não é isso. Os Upanishads dizem: neti neti – nem isso, nem aquilo. Eles dizem: Seja o que for que você saiba, você não é isso; seja o que for que você não saiba, você também não é isso. Você é aquele que sabe, e esse observador não pode ser reduzido a um objeto conhecido.

O autoconhecimento não é possível. Se a sua inocência sair da sua fonte interior, você não pode conhecê-la; se ela é como uma roupa que você vestiu, você a conhece, mas ela não é o próprio alento da vida. Tal inocência é cultivada, e uma inocência cultivada é uma coisa feia.

Um home do Tao não reconhece a si mesmo como amável e gentil. Ele é amável, mas não sabe; ele é gentil, mas não sabe; ele é amor, mas não sabe – porque o amante e o conhecedor não são dois; a gentileza, a bondade, a compaixão e o conhecedor não são dois. Não, eles não podem ser divididos em o conhecido e o conhecedor. Essa é a aristocracia interior, quando você se tornou tão rico que não está ciente disso. A mente não precisa estar ciente disso. O seu próprio ser bastará. Por isso, quando você é tão rico assim, não há nenhuma necessidade de exibir isso.

“Ele não luta para ganhar dinheiro, e não faz da pobreza uma virtude...”

Ele não é nem pobre nem rico. Ele não está fazendo nenhum esforço pelo dinheiro, ele não está fazendo nenhum esforço para ser pobre – aconteça o que acontecer, ele permite que isso aconteça. Se um palácio surgir, ele vai estar no palácio; se o palácio desaparecer, ele não vai procurar por ele. Seja o que for que estiver acontecendo, ele vai acompanhar; sua felicidade não pode ser perturbada. Ele não está lutando por dinheiro, ele não está lutando pela pobreza.

“A virtude perfeita não produz nada..."

Este é um dos princípios básicos da vida taoista.

A virtude perfeita não produz nada, porque, quando você é perfeitamente virtuoso, nada é necessário. Quando você é perfeitamente virtuoso, não há desejo, não há motivação. Você é perfeito. Como a perfeição pode avançar? Apenas a imperfeição avança. Só a imperfeição deseja produzir algo. Por isso, um artista perfeito nunca pinta um quadro, e um místico perfeito joga fora sua cítara. Um arqueiro perfeito quebra seu arco e joga fora, e um homem perfeito como Buda é absolutamente inútil. O que Buda produziu – poesia, uma escultura, uma pintura, uma sociedade? Ele parece absolutamente improdutivo, ele não fez nada.

A virtude perfeita não produz nada, porque não precisa de nada. A produção é resultado do desejo, a produção ocorre porque você é imperfeito. Você cria algo pra compensar, porque você se sente insatisfeito. Se você está absolutamente preenchido, por que deveria criar, como poderia criar? Então você mesmo se torna uma criação gloriosa, então o próprio eu interior é tão perfeito que nada é necessário.

A virtude não produz nada. Se o mundo for virtuoso, todos os objetivos utilitários serão perdidos. Se o mundo for realmente virtuoso haverá brincadeira e nenhuma produção. Então a coisa toda vai se tornar uma simples brincadeira. Você a aprecia, mas não precisa dela. Um sábio perfeito é absolutamente inútil.

“O não eu é o verdadeiro eu”...

Quando você sente que não é nada, pela primeira vez você é, porque o eu não é nada mais que um sinônimo de ego. É por isso que Buda, Lao Tsé, Chuang Tzu, todos eles dizem que não existe nenhum eu, nenhum atman. Não que não exista – eles dizem que o atman não existe porque seu ego é tão astuto que pode se esconder atrás dele. Você pode dizer: “Aham Brahmasmi, eu sou brahmam, Ana’l haq, eu sou Deus.” E o ego pode se esconder atrás disso.

Buda diz que não existe ninguém para reclamar, não existe um eu dentro de você. Buda diz que você é como a cebola: você descasca, continua a descascar as camadas e, por fim, nada resta. Sua mente é como uma cebola, continue a descascá-la. Isso é que é meditação – ir descascando, descascando, até chegar um momento em que nada reste. Esse nada é o seu verdadeiro eu.

O não-eu é o verdadeiro eu. Quando o barco estiver vazio, então pela primeira vez você estará no barco.

“E o maior entre os homens é ninguém...”

Aconteceu: Buda renunciou ao reino. Então ele saiu numa busca, de floresta em floresta, de ashram em ashram, de mestre em mestre, andando a pé. Ele nunca tinha andado descalço, mas agora ele era apenas um mendigo. Ele estava passando por um rio, caminhando ao lado do rio, na areia, e deixou suas pegadas.

Enquanto estava descansando à sombra de uma árvore, um astrólogo o viu. Ele estava voltando de Kashi, onde tinha aprendido astrologia. Tinha se tornado especialista nessa matéria, tinha se tornado perfeito, um grande doutor em astrologia, e estava voltando à sua cidade natal para desempenhar seu ofício.

Ele olhou para as pegadas na areia molhada. Ficou perturbado, porque aquelas pegadas não poderiam pertencer a um homem que caminha sobre a areia sem sapatos, num verão quente, ao meio-dia. Aqueles pés pertenciam a um grande imperador, um chakravartin. O chakravartin é um imperador que governa o mundo inteiro. E todo os sinais estavam lá, de que esse homem era um chakravartin, um imperador do mundo inteiro, dos seis continentes. Mas porque um chakravartin andaria na terra com os pés nus, sem sapatos, numa tarde de verão quente? Era impossível!

O astrólogo estava carregando seus livros mais valiosos. E pensou: “Se isso  for possível eu jogo esses livros no rio e esqueço a astrologia para sempre, porque isso é um absurdo. É muito, muito difícil encontrar um homem que tenha os pés de um chakravartin. Uma vez em milhões de anos um homem se torna um chakravartin, e o que esse chakravartin está fazendo aqui?”

Então ele seguiu as pegadas e chegou a Buda. O astrólogo olhou para ele ali sentado, descansando sob uma árvore com os olhos fechados. Ficou mais perturbado, absolutamente perturbado, porque o rosto era também o rosto de um chakravartin. Mas o homem parecia um mendigo, tendo ao seu lado apenas uma tigela de pedir esmolas, e usava roupas rasgadas. Mas o rosto parecia o de um chakravartin, então o que fazer?

Ele disse: “Estou muito perturbado, me esclareça. Tenho apenas uma pergunta a fazer. Vi e estudei suas pegadas. Elas devem pertencer a um chakravartin, um grande imperador que governa o mundo todo, toda a Terra é seu reino – e você é um mendigo. Então o que devo fazer? Devo jogar fora todos os meus livros de astrologia? Meus doze anos de esforço em Kashi foram desperdiçados e as pessoas ali são tolas. Eu perdi a fase mais importante da minha vida, por isso me esclareça. Diga-me, o que devo fazer?”

Buda disse: “Você não precisa se preocupar. Isso não vai acontecer novamente. Leve seus livros, vá para a cidade, inicie o exercício de sua profissão, não se preocupe comigo. Eu nasci para ser um chakravartin. Essas pegadas carregam o meu passado.”

Todas as pegadas carregam o seu passado – as linhas da sua mão, a palma da sua mão, carregam o seu passado. É por isso que a astrologia e a quiromancia são sempre verdadeiras com relação ao passado, mas nunca tão verdadeiras com relação ao futuro, e absolutamente falsas com relação a um buda, porque quem joga fora todo o seu passado caminha para o desconhecido – você não pode prever o seu futuro.

Buda disse: “Não vai se deparar com um homem intrigante novamente. Não se preocupe, isso não vai acontecer de novo, considere uma exceção.”

Mas o astrólogo disse: “Só mais algumas perguntas. Eu gostaria de saber quem você é. Estou realmente tendo um sonho? Um chakravartin sentado como um mendigo? Quem é você? Você é um imperador disfarçado?

Buda disse: “Não.”

Em seguida, o astrólogo perguntou: “Mas o seu rosto parece tão bonito, tão calmo, tão cheio de silêncio interior. Quem é você? Você é um anjo do paraíso?”

Buda disse: “Não.”

O astrólogo fez mais uma pergunta: “Não é muito educado perguntar, mas você criou o desejo, a avidez. Você é um ser humano? Se não é um imperador, um chakravartin, se não é um deva do paraíso, então é um ser humano?”

E Buda disse: “Não, eu sou ninguém. Eu não pertenço a nenhuma forma, nenhum nome.”

O astrólogo disse: “Você agora me deixou mais perturbado ainda. O que quer dizer?”

Isso é o que Buda quis dizer: “E o maior entre os homens é ninguém”.

Você pode ser alguém, mas não pode ser o maior. Há sempre alguém maior em algum lugar do mundo. E quem é alguém? Você é a medida. Você diz que este homem é grandioso – mas quem é a medida? Você.

A colher é a medida do oceano. Você diz: “Este homem é grandioso.” Você diz, e muitos como você dizem: “Este homem é grandioso” – e ele se torna grande por sua causa.

Não. Nesse mundo, seja quem for não pode ser o maior, porque o oceano não pode ser medido a colheradas. E vocês todos são colheres de chá de medição do oceano. Não, não é possível.

Assim, o maior, será realmente ninguém entre vocês. O que significa quando Chuang Tzu diz: “O maior entre os homens é ninguém”? Isso significa que é imensurável. Você não pode medir, você não pode rotular, não é possível categorizar, você não pode dizer: “Quem é este?”. Ele simplesmente escapa da medição. Ele simplesmente vai além e além e além, e a colher cai no chão – imensurável.

Deus deve ser ninguém. Ele não pode ser alguém porque quem iria fazer dele alguém? Você? – então você mediu. Então você se tornou maior do que Deus, então a colher de chá tornou-se maior que o oceano. Não, Deus não pode ser medido. Ele continuará a ser um ninguém.

“Alguém” significa que você foi medido. Você está rotulado, categorizado. Você é conhecido. “Ninguém” significa que você permanece desconhecido. Por mais que você saiba, seja o que for que você saiba, seu conhecimento não irá esgotá-lo. Você saberá que esse não é o limite. E quanto mais íntimo você se torna, maior ele se torna, mais imensurável. Chega um momento em que você simplesmente joga fora sua colher de chá, simplesmente não faz mais esforço para medir. E só então você é íntimo do grande homem, o homem do Tao.


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