"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Descortinando a nossa Natureza Divina - 1/11

- Masaharu Taniguchi - 


O MAIS IMPORTANTE DESPERTAR DE QUEM BUSCA A VERDADE

"Aprender o que tu és"

O mestre Dogen, fundador da seita budista Nippon Soto, ensinou: "Aprender o caminho de Buda é aprender o que tu és; aprender o que tu és é esquecer-te de ti". Esse ensinamento não se restringe ao caminho de Buda. Pode-se afirmar que essa é a essência de todas as religiões, e, como todos sabem, Sócrates também disse "Conhece-te a ti mesmo". Então, que vem a ser esse "tu", esse "a ti mesmo"? Penso que é extremamente grande o número de pessoas que consideram esse "tu" seja o corpo carnal.

Descartes disse "Eu penso, logo existo", mas há uma pessoa que afirmou o contrário: "Eu existo quando não penso". O mestre budista Sekito disse: "Para um iluminado, não existe o eu e também não existe nada que não seja eu". É dito que no budismo existem 84 mil portas que conduzem à sua doutrina, mas certa pessoa disse que todas elas se resumem em "Inverter a ilusão e alcançar a iluminação". Pode-se afirmar que não é apenas o budismo que almeja alcançar a iluminação, mas todas as religiões. Na Sutra Sagrada Chuva de Néctar da Verdade, consta: "Supor existente o que é inexistente, nisto consiste a ilusão". Ilusão é o pensamento que inverte a posição do céu e da terra. O corpo carnal não existe originariamente, sendo apenas "sombra da mente", porém, pensam inadvertidamente que esse corpo seja o homem verdadeiro e que a mente seja reflexo do estado físico. A isso se diz ilusão, ou pensamento invertido.

Enquanto a pessoa estiver se dedicando ao treinamento espiritual com esse pensamento invertido, por mais tempo que dedique, jamais conseguirá compreender a Verdade. Tal pessoa estará querendo obter vantagens para si, utilizando-se dos "ensinamentos da Verdade", pensando em como aplicar esses ensinamentos e a lei mental para satisfazer seus desejos. Estará se esquecendo de que "Treinamento espiritual é aprender o que sou, e aprender o que sou é esquecer-me de mim". Em vez de esquecer-se do eu, estará segurando-o firmemente.

Há também pessoas que, dizendo-se colaboradoras voluntárias, pensam: "Eu estou me dedicando tanto para o bem desta academia". No entanto, quem pensa "Eu estou..." não está servindo para o bem estar alheio, mas servindo ao próprio eu. Se, agarrando-se firmemente ao eu, a pessoa pensa com arrogância/orgulho "eu estou dando a minha colaboração", está ignorando totalmente o preceito "Aprender o que tu és é esquecer-te de ti". Um treinamento espiritual precisa ter como base a questão "Quanto consigo esquecer-me de mim?". "Inverter a ilusão e alcançar a iluminação" significa abandonar o falso eu e revelar o  Eu verdadeiro que é originalmente puro e imaculado.

Eu verdadeiro não é o corpo carnal e, não tendo forma, não contém originalmente impureza alguma, sendo absolutamente puro. Referindo-se a isso a seita zen-budista diz: "Ikka myojyu" (Uma esfera iluminada).

Quando esse eu informe projeta suas ondas invisíveis no "aparelho de televisão" chamado órgãos dos sentidos, essas ondas invisíveis aparecem em forma material, em forma de corpo carnal e isso faz com que o homem se apegue a essa forma, achando que ela existe. Apegando-se, as ondas se paralisam e ficam maculadas. O homem pensa  que é essa coisa maculada e passa a achar que é importante cuidar dela, cuidar do seu corpo físico. Pensa, então, que "vivificar a si mesmo" significa cuidar com carinho de seu eu carnal. O auto-respeito é um sentimento muito enganoso, sendo preciso abrir bem os olhos da mente para distinguir claramente quais são as reivindicações do Eu verdadeiro e quais do falso eu. O treinamento espiritual consiste em fazer essa distinção e, expulsando o falso eu, procurar vivificar o Eu verdadeiro.

"Hyojyo doji raiguka" (O fogo busca o fogo; o eu busca o eu)

Essa situação foi igual também no passado. Há uma história de certo sacerdote que, apesar de ter ficado três anos num templo zen-budista praticando disciplinamento espiritual e ocupar o cargo de coordenador dos serviços do templo representado pelo sacerdote-mor, não conseguia distinguir claramente o Eu verdadeiro do falso eu. Era o monge Gensoku, discípulo do mestre zen Hogen, fundador da seita Hogen. Certa feita, o mestre Hogen perguntou ao sacerdote Gensoku:

– Quantos anos já se passaram desde que você veio para este templo?
– Já se passaram três anos – respondeu o monge Gensoku.
– Está aqui há três anos e você não me perguntou ainda sobre os ensinamentos de Buda. Por que não me pergunta?
– Eu estive anteriormente no templo do mestre Seiho, e lá me ensinaram tudo sobre os ensinamentos de Buda. Por isso, nada perguntei ao senhor – respondeu assim o sacerdote Gensoku, e o mestre Hogen lhe perguntou novamente:
– Muito bem. E com que palavras você compreendeu a Verdade?
– O mestre Seiho me ensinou dizendo: "Hyojyo doji raiguka".
– São palavras realmente maravilhosas. E você compreendeu seu verdadeiro significado?
– Hyojyo é o mesmo que hinoe hinoto. Hinoe significa irmão mais velho do fogo e hinoto, irmão mais novo do fogo. Raiguka quer dizer "filhos do fogo buscam o fogo", ou seja, eu sou originalmente um Buda e este Buda busca Buda. Eu compreendi com isso que sou, desde o princípio, um Buda.

Ouvindo isso, o mestre Hogen censurou-o aos brados:

– Você não entendeu nada!! Se é isso que você compreendeu até hoje, nada sabe sobre os ensinamentos de Buda.

Aqui está um ponto muito importante. Não há erro algum na afirmação "Eu compreendi que sou, desde o princípio, um Buda", mas o sentido destas palavras se inverte totalmente dependendo do ponto de vista da pessoa, ou seja, se ela considera o ser humano um corpo carnal ou um ser espiritual. Se a pessoa considerar como manifestações da natureza búdica os desejos do corpo carnal que emergem do seu interior, e aceita-os tais quais são, pensando que satisfazê-los ao máximo seja praticar a vivificação do eu, estará invertendo o céu e a terra, interpretando que a natureza búdica seja os instintos do corpo carnal. Quem pensa desse modo, será censurado pelo mestre Hogen: "Você não compreendeu nada!!"

Ao receber essa censura do mestre Hogen, o sacerdote Gensoku, que achava já ter compreendido os ensinamentos de Buda, não conseguiu conter sua ira e saiu do templo pensando "É inútil continuar aqui junto a um velho mestre que não me compreende". Foi andando à procura de um outro local para ficar, mas no meio do caminho começou a refletir sobre as palavras do mestre Hogen:

"Será que compreendi de fato a doutrina de Buda? Será que a minha compreensão ainda é insuficiente, como me disse o mestre? O velho mestre é um grande conhecedor dos ensinamentos de Buda, e ao seu redor há sempre 500 monges praticando treinamento espiritual em busca do despertar espiritual. Não é possível que haja erro em suas palavras. Já que ele sugeriu que eu lhe pergunte algo, vou regressar para esclarecer minha dúvida".

Assim, resolveu retornar ao templo e, completamente arrependido da sua presunção, pediu perdão ao mestre, desprendendo-se totalmente do seu ego. Depois, perguntou:

– Mestre, esclareça-me sobre o Eu verdadeiro deste humilde discípulo.
– Hyojyo doji raiguka – respondeu o mestre Hogen.

Essas palavras eram as mesmas ditas anteriormente pelo mestre Seiho, cujo significado é "O fogo busca o fogo; o eu busca o eu"; porém o significado desse "eu" era diferente. "Hyojyo doji raiguka" fora dito naquela ocasião considerando ser o eu o homem carnal que busca satisfazer seus desejos físicos e materiais, mas agora foi dito considerando ser o homem manifestação da natureza búdica, portanto, significando "a natureza búdica busca a natureza búdica".

Vemos, assim, que a mesma expressão não teve o mesmo significado. "Eu já compreendi a Verdade, pois o mestre Seiho já me ensinou a doutrina de Buda. Entretanto, estou dando a minha colaboração trabalhando neste templo do mestre Hogen" – este é um estado mental de muita presunção, pois demonstra que, apesar de ter compreendido teoricamente que "a natureza búdica busca a natureza búdica", essa não era a compreensão verdadeira. Só se compreende a verdadeira natureza búdica, quando desaparece o eu presunçoso e a pessoa atinge o estado de total abnegação.

Também nas Academias de Treinamento Espiritual da Seicho-No-Ie existentes em diversos locais, comparecem pessoas carregando seu ego nas costas, pensando "Eu vou alcançar alguma iluminação espiritual" ou "Vou pedir que me curem da minha doença". Essas pessoas não compreenderam nada, mesmo conhecendo teoricamente que "O homem é filho de Deus, possui dentro de si a natureza divina e, portanto, a natureza divina busca a natureza divina". Ao abandonar esse ego que vieram carregando nas costas, ele desaparece. Se, desse modo, atingirem o estado mental que nada deseja para si, pensando unicamente em "Ser útil à felicidade do próximo", a verdadeira natureza búdica se revelará, fazendo desaparecer as doenças bem como o vício de entorpecentes, porque "Para o iluminado, inexiste o eu, como também nada existe fora dele". Segundo o ensinamento zen, quando a pessoa viver na prática esta Verdade, ela será dona da sua vida.


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