"MAIOR É O QUE ESTÁ EM VÓS DO QUE O QUE ESTÁ NO MUNDO." (I JOÃO 4:4)

terça-feira, fevereiro 27, 2018

Descortinando a nossa Natureza Divina - 8/11

- Masaharu Taniguchi - 


SOBRE A EXISTÊNCIA OU NÃO DA ALMA

O carma e a alma

Recebi uma carta do sr. Yoshio Muramatsu dizendo o seguinte:

Os budistas, em especial, que não admitem a individualidade substancial do ser humano, criticam as novas religiões que admitem Deus e que a alma continua existindo após a morte do corpo, taxando-as de heréticas e inferiores, evitando uma ponderação mais profunda. Noto que há certa contradição no conceito da alma pregado pela Seicho-No-Ie. É de conhecimento geral que o budismo prega que os mundos do passado, presente e o futuro estão ligados pela lei da causalidade e que as consequências dos carmas desta vida podem aparecer durante esta vida, ou durante a próxima, ou durante a vida posterior à próxima. Observando também o fato de encontrarmos nas escrituras budistas passagens que fazem referência a entes espirituais, não creio que o budismo negue categoricamente a existência das almas.

Além disso, como a Seicho-No-Ie nega claramente a existência das almas fenomênicas, afirmando "o fenômeno não existe, existe apenas a Imagem Verdadeira", pode-se concluir por outro lado que está de pleno acordo com os ensinamentos de Buda, não havendo qualquer contradição. Apenas acho que a Seicho-No-Ie deu um salto maior ao fazer a distinção entre o fenômeno e a Imagem Verdadeira (Jisso), negando categoricamente a existência do fenômeno, mantendo a conotação do pensamento budista que prega o vazio, o nada, a inconstância, a negação do ego.

Desejo, contudo, receber melhores esclarecimentos acerca da seguinte questão: está correto interpretar o carma, pregado no budismo, por "alma", e a reencarnação por simples "transmigração do carma"?

No volume 6 da coleção A Verdade, expliquei sobre a questão do carma e da alma, fazendo um paralelo com a teoria budista da transmigração do carma, e peço que o leiam.

O sr. Yoshio Muramatsu é um adepto bastante antigo, e noto, através desta carta, que ele tem uma compreensão profunda dos ensinamentos, visto que, está admitindo a alma fenomênica, embora originalmente fosse partidário da não existência da alma.

Se o budismo fosse uma doutrina que simplesmente nega a existência da alma, não pertenceria ele a seita Jodo-shinshu que ensina "Pronunciando constantemente o nome de Amida Buda, a alma da pessoa irá, após a morte, para o paraíso". E os sacerdotes dessa seita que oram pela tranquilização da alma e recebem donativos lendo sutra aos mortos, estariam praticando fraude.

E, se não existisse a alma que renasce, a história de Amida Buda – que na encarnação anterior, quando era Bodhisatva Hozo, fez 48 promessas e efetuou treinamentos espirituais durante longos e longos anos, alcançando finalmente a iluminação, tornando-se Amida Buda que estabeleceu o paraíso do leste – seria um conto de fadas, e não uma Verdade que salva.

Se não existisse a individualidade substancial, quem teria passado por treinamentos durante longos e longos anos? Se não existisse o eu que se adestra, havendo apenas o carma, o treinamento espiritual, que vai se transmigrando, seria semelhante a um veículo que corre sozinho, sem motorista nem passageiros. Estaria correndo sem objetivo definido e jamais chegaria a algum fim.

Se o treinamento espiritual efetuado durante um tempo infinitamente longo fosse efetuado sem a presença do motorista (a individualidade substancial), portanto, sem objetivo definido, não haveria coerência nas práticas realizadas e, naturalmente, o objetivo de consumar as 48 promessas não seria atingido. Fica, então, evidente que existiu a personalidade de Amida Buda (a individualidade substancial que, após deixar um corpo carnal, reencarna em outro) que utilizou inúmeros adestramentos para chegar a um objetivo coerente e que colheu os seus méritos.

Se Amida Buda não possuísse essa personalidade, os adeptos da seita Jodo-shishu estariam pronunciando o nome de Amida Buda com que objetivo? O budismo, portanto, não é absolutamente uma doutrina que nega a existência da alma. Entretanto, na Índia da época em que surgiu Sakyamuni, proliferava o bramanismo, cuja doutrina prega: "Brahma, o Deus onipotente, criou o mundo a seu bel-prazer". Sakyamuni, porém, negou isso dizendo: "Não existe tal Deus criador que construiu o céu e a terra com a Sua força onipotente". Ele não aceitou a ideia de que Deus criador construiu algo usando ingredientes materiais como um ceramista que produz um objeto de cerâmica, e não negou a existência da mente que dá origem a tudo.

"Mugoku no tai" (Substância Real ou Eu Verdadeiro)

Shohô-muga, shogyô-mujô, nehan-jyakujô – são os três tópicos do darma no budismo hinayana (pequeno veículo). "Shohô" significa diversos fenômenos, e "muga" significa inexistência do eu. No mundo fenomênico inexiste o eu substancial porque é um mundo semelhante a um filme, cujos personagens, por exemplo, Helena de Tróia, são simplesmente sombra, não tendo personalidade viva. As pessoas do mundo fenomênico podem ser comparadas aos personagens da tela de um televisor: só "existem" enquanto estão aparecendo na tela, e deixam de existir quando sua imagens desaparecem.

Entretanto, no outro lado do televisor estão o apresentador e os atores em carne e osso. De modo similar, o mundo fenomênico é inconstante e nele não existe o eu substancial. Por trás do fenômeno é que existe o eu absolutamente sublime. Referindo-se a isso o budismo ensina que, quando nascermos no paraíso, adquiriremos o mugoku no tai. "Goku" significa limites fenomênicos. "Mugoku", portanto, significa ausência de limites fenomênicos. Então, conclui-se que "mugoku no tai" é a substância (corpo real) que transcende todas as limitações fenomênicas, ou seja, o Eu verdadeiro, o Buda. O mundo fenomênico é uma "projeção", e seria natural que um personagem projetado não possua individualidade substancial. O personagem parece estar se movimentando, mas, assim como as imagens do cinema ou da televisão, não passa de alternância de luzes e sombras.

No mundo fenomênico não existe a individualidade substancial, mas não significa que ela não exista também no homem da Imagem Verdadeira. Quando nos referimos ao homem fenomênico, pregamos que inexiste o eu, mas, quando nos referimos ao homem da Imagem Verdadeira, pregamos a existência do Eu perene, feliz e puro. Na Sutra do Nirvana consta "Existe o eu nas 25 existências ilusórias e essa é a imagem do Iluminado". Por "imagem do Iluminado" entende-se a natureza búdica que se manifesta do Iluminado. As 25 existências ilusórias fazem parte do mundo fenomênico onde reencarnamos (mundo da existência temporária), e podem ser classificadas a grosso modo em seis caminhos que, em divisões mais detalhadas, chega-se ao número 25. A pergunta "Existe o Eu nas 25 existências ilusórias?" significa "Existe o eu (individualidade substancial) nas 25 categorias do mundo das reencarnações?"

O que reencarna é "sombra", e nela não existe personalidade viva, mas, se há projeção da sombra, significa que existe a substância. É o mesmo que não existir personalidade viva nos personagens projetados na tela do cinema, mas, para que a imagem seja projetada, é preciso existir antes o ator com personalidade. Essa substância que está por trás da imagem projetada é a imagem do Iluminado, a natureza búdica, o Eu verdadeiro. Esse Eu verdadeiro é o mugoku no tai (a substância, o corpo real, que transcende todas as limitações) e não reencarna, mas o homem, que é sua sombra, reencarna.

É o mesmo que ocorre com um ator de cinema. Nos filmes em que ele participa, chora, grita, mata, é assassinado, e assim nasce e morre inúmeras vezes, mas o ator em si não morreu nem renasceu. O ator não nasce nem morre, mas nos filmes repete o nascer e o morrer. De modo semelhante, o homem verdadeiro não nasce nem morre, mas no mundo fenomênico repete o nascer e o morrer. Portanto, a alma que repete o nascer e o morrer, é a alma de existência temporária que assim aparece, que nasce sem nascer, que morre sem morrer, que reencarna sem reencarnar. Pode-se afirmar categoricamente que isso inexiste (o fenômeno é inexistente), como também pode-se dizer que "transmigra com o carma", segundo consta na Sutra Vimalakirti, explicando sobre o mecanismo que parece estar transmigrando.

Carma é ação, é uma conduta. Cito novamente o exemplo do cinema, mas o filme é projetado na tela porque houve trabalho – a ação do diretor, do cinegrafista, do técnico de gravação sonora, do iluminador, dos atores, etc. Pode-se afirmar que o carma transmigra e que ocorre isso porque, por trás disso, existe uma substancia que tem consciência do seu objetivo, ou seja, o espírito, e pode-se dizer que a alma reencarna. A alma, no entanto, não é o corpo real verdadeiro (natureza búdica), e sim o espírito que carrega um corpo feito de vibrações, resultante dos carmas. Sendo assim, pode-se dizer que reencarna sem reencarnar.


Nenhum comentário: